Uma Deusa Em Minha Vida
Eu trabalhava na linha de produção em uma indústria de peças para máquinas pesadas.
Era um trabalho cansativo. Eu não tive a oportunidade de estudar pois desde cedo tive que trabalhar para ajudar em casa. Com muito sacrifício terminei o ensino médio, muito mal feito pois não tinha tempo e sempre estava muito cansado. Numa manhã chegou lá uma jovem e linda mulher que nos foi apresentada como a nova engenheira. Ela seria nossa chefe. Todos nós nos entreolhamos pensando no que aquela mulher tão linda e delicada estava fazendo ali. Como se meteu a trabalhar num lugar como aquele. Ela seria a única mulher ali e por certo seria muito hostilizada. Ainda havia muito preconceito. Principalmente entre os operários. Ela começou a conversar com a gente. Explicava que a partir daquele dia ela seria a nossa chefe, passou as instruções e falou sobre o que esperava de nós e como seria o trabalho a partir daquele dia. Eu a observava com atenção. Nunca na minha vida havia visto uma mulher tão linda, delicada, elegante e fina. Meu coração se derreteu e eu me senti uma insignificância diante dela. Conhecia meu lugar e me senti triste por isto. De repente ela me olhou fixamente. Eu não baixei o olhar. Nunca fui de baixar a cabeça pra ninguém. A situação ali não era fácil para ela. Meus colegas a hostilizavam. Dia após dia ela batia de frente com eles que tentavam de tudo para fazê-la desistir de trabalhar ali. Ela era uma mulher forte e determinada, inteligente e competente. Ela foi aos poucos conseguindo ocupar seu lugar. Dia após dia nos olhávamos. Eu estava cada vez mais encantando com ela. Sentia que ela também me olhava com um certo encantamento e se sentia perturbada na minha presença e com o meu olhar de cobiça. Quando eu precisava conversar com ela sobre o trabalho sentia que ela ficava encabulada e muitas vezes nem conseguia se concentrar. Muitas vezes eu tive que repetir o que tinha dito e ela ficava sem graça. Aos poucos fomos nos aproximando. Eu sentia que ela ficava cada vez mais perturbada ao falar comigo e eu me sentia valorizado por isso. Eu sempre ia até o escritório dela com alguma desculpa para conversar ou quando ela me chamava. Todos notavam o que estava acontecendo Fomos nos envolvendo. Já não conseguíamos disfarçar. Nossos olhares nos traía. Começamos a sair juntos e aquele desejo incontrolável explodiu entre nós. E nos entregamos a esta paixão sem nenhum pudor. Como se o mundo se resumisse a nós dois. Um dia quando estava saindo da sala dela um colega me disse: -Tá comendo a engenheira, companheiro? -Que modo de falar. Olha o respeito. -Pensa que a gente não percebeu que você está de chamego com ela? -E se estiver? O que você tem com isto? -Esperto você, hein? Ela é uma gostosa. -Não fale assim dela. -Está com ciúme? Pra quê? Ela só quer que você dê um trato nela. Estes doutorzinhos ricos aí não sabem apagar o fogo delas. -Dobre sua língua pra falar dela. Não vou aceitar que fale assim. Ela é uma mulher de respeito. -Ih! Apaixonou. Vai se dar mal. Pensa que ela quer alguma coisa com você? -Isto é problema meu. -Ela namora com o chefão e se satisfaz com você. -Você não sabe de nada. Deixa de ser babaca. -Você é um otário, cara. -E você é um babaca grosseiro. (saí e o deixei falando sozinho). Estávamos vivendo o mais lindo, intenso e improvável dos casos. Aproveitávamos cada momento juntos como se fosse o último. Um dia chegou em minha casa um senhor com um carrão. Minha mãe me chamou. Quando cheguei na porta vi o senhor muito bem vestido e exalando arrogância. Disse que precisava falar comigo. Eu sai lá fora. Ele foi direto ao assunto: -Sou o pai da Beatriz. Eu fiquei calado. -Sei que você está se envolvendo com ela. Estou aqui pra lhe fazer uma proposta. Quanto você quer pra se afastar dela? Posso lhe dar uma boa quantia em dinheiro e lhe conseguir um novo emprego. A minha vontade foi de acertar um soco na cara daquele nojento. Mas me contive. -Quem o senhor pensa que sou? Só porque sou pobre acha que não tenho orgulho, dignidade, caráter? Eu não me vendo pra ninguém. Muito menos para um homem nojento e abusado como o senhor. -Você é um atrevido. Exijo respeito. -Eu também exijo respeito. Diga à sua filha que se afaste de mim. O que ela responderia? -Você não se enxerga não? Acha que é homem pra minha filha? -Pergunte pra ela. -Eu posso acabar com você. -Eu sei. Vocês acham que são poderosos e que nós não somos nada. Eu não tenho nenhum assunto com o senhor. Meu assunto é com a Beatriz. Se ela disser que não quer mais me ver ou falar comigo, eu me retiro. -Muito bem. Eu quis resolver as coisas de maneira civilizada mas já que você não quer não tenho mais nada a fazer aqui. -Comprar as pessoas é uma maneira civilizada de resolver as coisas? -Adeus. -Adeus. Espero nunca mais ter que olhar na sua cara. O tempo passou e continuamos nos encontrando. O pai dela continuou me pressionando e ameaçando. Não entendia porque ele ainda não tinha pedido minha cabeça e eu continuava no meu emprego. Eu comecei a me apaixonar por ela. Apesar de ser filha de um milionário, ela era uma pessoa simples e agradável. Conversava comigo e me mostrava muitas coisas de uma maneira totalmente nova pra mim. Ela me incentivava e me colocava pra cima. E cada vez mais aquela paixão e desejo nos arrebatava. No entanto eu estava ficando cada vez mais tenso e inseguro. Sabia que ela não era mulher para mim e que as nossas diferenças criavam uma barreira intransponível entre nós. Sabia que esta história não ia acabar bem. Sabia que o melhor era sair fora. Fui até a sala dela neste dia: -Preciso falar com você. Pode ser agora? -Claro. Pode falar. Estou ouvindo. -Acho que o que está rolando entre nós já está indo longe demais. -Por que você está dizendo isto? -Eu não estou me sentindo bem com a nossa situação. Nós não podemos gostar um do outro. E isto está começando a acontecer. Pelo menos de minha parte. É melhor a gente cortar pela raiz enquanto é tempo. -Por que não podemos gostar um do outro? Eu ri com ironia: -Olhe pra você e olhe pra mim. Você é rica, inteligente, formada, doutora e eu sou um ignorante, só tenho o dia pra trabalhar e a noite pra dormir. Não posso sonhar. No seu mundo não tem lugar pra mim. E eu não quero estar com uma mulher e me sentir inferior, me sentir mais ignorante que eu sou. Eu não quero estar com uma mulher e ter que me preocupar com o que falo ou como me comporto. -Eu nunca lhe cobrei isto. Eu enfrentei minha família, enfrentei a sociedade, enfrentei todas as diferenças por você. E você vem com este papo? -Você enfrentou a sua família? É sério isto? E por que o nojento do seu pai foi na porta da minha casa me oferecer dinheiro pra eu me afastar de você? Por que ele tentou me comprar como se eu tivesse um preço? Como se ele pudesse dispor da minha vida. Por que ele me ameaça todo dia? -O quê? Eu não posso acreditar nisto. Ele foi capaz de uma sujeira desta? Quando foi isto? -Há algum tempo. A vontade que tive foi de socar a cara dele. Por você eu me contive. Mas eu não estou aqui falando com você por isto. Não tenho medo dele. Nem sei porque ele ainda não pediu minha cabeça aqui na empresa. -Ele quis fazer isto mas eu disse que se ele fizesse qualquer coisa contra você ou se lhe prejudicasse de alguma forma, eu sairia de casa e nunca mais falaria com ele. E ele sabe que eu não estou brincando. Ele me conhece muito bem. -Agora sou eu que quero pedir minha demissão. -Por quê? -Eu consegui um outro emprego. -Como assim? -Eu tenho qualificação, sei trabalhar. Vou trabalhar em outra empresa. -Mas por quê? -Eu já disse. Temos que nos afastar. Não dá certo e você sabe disto. Eu quero me sentir o chefe da relação quando estiver com uma mulher. -Que coisa machista. -Dane-se. Eu posso ser machista. Eu sou um homem como outro qualquer. -Não faça isto. Fica comigo. A gente não precisa ter nenhum compromisso. -Você não pode me usar e depois me colocar de volta no armário, como se eu fosse um objeto, e ir viver sua vida de rica. -Eu nunca fiz isto. E não faço. -Eu sei que faz. Eu sei que você sai com o seu chefe. Sei que você vai para os lugares de ricos com ele. -Somos só amigos. Só falamos sobre trabalho. -Não quero saber o que vocês têm um com o outro. Eu só quero cair fora. -Por favor. (ela chora) -Já tomei minha decisão. Eu só quero a minha demissão e ir embora. Esquecer que você existe. Segurando as lágrimas ela diz: -Está bem. Ficamos assim. Se é assim que você quer, será assim. Siga seu caminho e eu sigo o meu. -Sim. São caminhos muito diferentes. Foi muito bom conhecer você. Pena que neste mundo um amor não sobrevive às diferenças sociais, não sobrevive à tirania do dinheiro e do poder. Principalmente quando o homem é pobre e analfabeto e a mulher é rica e doutora. A sociedade em que você vive não entende e nem aceita isto. Como seu pai que tentou me comprar na maior cara de pau. Tem sempre um abismo entre a rica e o pobre. -Você é preconceituoso e machista. Se não fosse assim, haveria uma chance pra nós dois. Isto que você diz é só teoria. A prática é diferente. -Pelo contrário. O que digo é a prática. Teoria é dizer que todos são iguais. -Não adianta discutir com você. Você não me compreende nem entende o que digo. -Não entendo. Sou ignorante. Ela suspirou e se calou. -Adeus, Beatriz. Seja feliz. Eu saí e me encostei na parede contendo as lágrimas. Deixei ela chorando sozinha. Seguimos os nossos caminhos. Eu nunca mais a vi. Eu decidi mudar. A duras penas estudei e pouco a pouco mudei minha vida. Progredi e aprendi muito. Devo isto a ela que me ensinou muito sobre a vida, sobre as minhas capacidades, sobre o mundo, sobre o crescimento pessoal e profissional e sobre ser livre. Sempre que sinto o perfume que ela usava, ouço uma música que ela gostava ou passo por algum lugar onde íamos, vem a saudade e a lembrança daquele tórrido, apaixonante, e prazeroso caso de amor que vivemos Não sofri e não sofro por ela mas nunca vou esquecer que um dia uma deusa entrou em minha vida e me fez sonhar, me fez arder de paixão e desejo, me deixou inebriado de prazer, fez eu me sentir um homem por inteiro e me proporcionou a felicidade de conhecer uma mulher de verdade, fascinante sob todos os aspectos.
Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 03/05/2021
Alterado em 03/05/2021 Copyright © 2021. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |