Primeiro Amor: Resgatando o Passado
-Oi! Você está aí vendo as novidades?
Eu olhei e não reconheci aquele cara que falava comigo. Ele notou meu espanto, sorriu e disse: -Você continua apaixonada pelos livros e pela leitura? Eu olhei mais espantada ainda. Mais uma vez eu vi aquele sorriso lindo se abrir. -Não está me reconhecendo? Eu lhe reconheceria ainda que mil anos tivessem se passado. Você não é Ana Luiza? -Sim, meu nome é Ana Luiza. Você me conhece de onde? -Será que mudei tanto assim? Nem minha voz você reconhece? -Desculpe. Não estou reconhecendo. -Esqueceu de mim completamente, não é? Eu nunca me esqueci de você. Eu olhei com mais calma pra ele. Estava confusa. -Sou José Vitor, nos conhecemos há muitos anos. Olhei pra ele e senti minhas pernas tremerem e meu coração disparou. -José Vítor. Há quantos anos nos conhecemos, não é? Éramos tão jovens ainda. E hoje já estamos na maturidade. -Assim que lhe vi eu reconheci. Que surpresa! Não esperava lhe encontrar. Mas não resisti. Já que o acaso nos colocou frente a frente, por que não falar com você? Eu estava tensa e não sabia nem o que dizer. Apesar de ser uma mulher adulta e bem resolvida, aquele encontro estava me tirando do sério. Eu sempre ficava tímida diante dele. Depois de tantos anos sem vê-lo, não estava preparada para este encontro. Era a década de 1970. A gente se conheceu ainda adolescentes e vivemos um primeiro amor. Cheio de emoções adolescentes, cheio de desencontros. Eu me sentia sempre sem palavras diante dele e aquela paixão me desconcertava. E ele sentia isto e sempre sorria aquele sorriso lindo e cativante. E sempre falava por nós dois. E quando ele me beijava com aquela boca linda e quente como o fogo da paixão e me abraçava com aqueles braços fortes e másculos era como se eu me derretesse. Ele era quatro anos mais velho que eu e muito mais experiente e descolado. Eu era apenas uma adolescente interiorana, tola e tímida. Tinha apenas quatorze anos quando o conheci. Por dois anos ficamos nestes encontros que não era namoro, era algo que nunca soubemos definir. Não sei bem ao certo quando e porque nos perdemos um do outro. O fato é que ele se mudou de cidade e este amor ficou inacabado. Alguma coisa ficou indefinida. Agora ele estava ali diante de mim. Ainda era lindo e seu sorriso continuava cativante. E eu estava parecendo a mesma adolescente. Sem palavras. O coração na boca e as pernas trêmulas. Ele me olhava de uma maneira intensa e isto me deixava ainda mais encabulada. Quase quarenta anos se passaram desde que nos vimos pela última vez. Quantas coisas eu vivi durante todo este tempo. Cursei faculdade, trabalhei, conquistei minha independência, me tornei madura, encarava qualquer situação. Namorei, casei, divorciei, casei uma segunda vez, estava passando por uma crise em meu segundo casamento e enfrentava tudo como a adulta que era. Tirava tudo de letra. Mas estava ali como uma adolescente diante dele. Parada, pensando se conseguiria mudar os passos de tanto que minhas pernas tremiam. Eu estava em um shopping, em uma livraria, lugar que eu amava explorar. E ali diante de mim me aparece ele. Respirei fundo e pensei no próximo passo. Estava muda e ele disse: -Você continua linda. Nem parece que tanto tempo se passou. -Você também. Foi só o que consegui balbuciar. -Está procurando algum livro em especial? -Não. Estou só procurando alguma coisa que me agrade. E você? Gosta de ler ainda? -Sim. Gosto muito. Mas não estou procurando nada pra mim. Estou procurando um livro pra minha filha. Eu gelei. Sabia que provavelmente ele tinha uma família, mas ele falando assim me deu uma certa angústia. -Você tem quantos filhos? -Tenho três filhas. Todas já adultas, já formadas, casadas. Já sou até vovô. Eu fiquei sem palavras. -E você? Casou? Tem filhos? -Sim. Eu me casei, mas não tenho filhos. -Não quis ter filhos? -É, não quis. -Continua casada? -Sim. Estou no meu segundo casamento. -Corajosa você, hein? Não sei se encararia um segundo casamento. -Você está casado? -Não. Sou divorciado. -Sei. -Vamos ficar conversando aqui parados? Acho que estamos atrapalhando o fluxo da livraria. -É. -Vamos sair. Depois volto pra buscar o livro. -Sair? -Sim. Posso conversar com você um pouco? Talvez beber algo ali na praça de alimentação. Eu fiquei sem saber o que fazer. Não dava um passo. Ele me puxou pelo braço e foi me conduzindo e eu o segui sem nem saber bem o que estava fazendo. Sentamos e ficamos conversando por muito tempo. E eu acabei me soltando. Conversamos banalidades, contamos nossa vida um pro outro. Falando de nós, por fim. -Eu era louco por você. Você não imagina como eu te amava e te desejava. -Eu também. E por que nos perdemos? -Não sei. Talvez fôssemos muito jovens, principalmente você que não sabia o que queria. -A culpa foi minha? -Não disse isto. A culpa foi nossa. Ou não houve culpa. E se tivéssemos ficado juntos? O que teria acontecido? Será que seríamos felize? Estaríamos juntos até hoje? -Não sei. Acho que era pra ser como foi. Não queria um namoro sério tão jovem como era. Eu queria fazer tudo o que fiz. Estudar, trabalhar, ter uma carreira, ser independente. -Não poderia fazer tudo isto ao meu lado? -Não sei. Mas acho que era assim que tinha que acontecer. -Eu nunca lhe esqueci. -E como se casou com outra? -Você se casou também. Então me esqueceu? -Lembrava de você às vezes. -Às vezes? -Sim. Tenho certeza que com você também foi assim. -Muito mais do que eu devia. Mas tive um casamento bom. Só não deu mais. -Muitas vezes ficava pensando como seria se estivesse com você. -Eu também. Acho que nosso caso ficou inacabado. Queríamos muito um ao outro, mas nunca chegamos até o final. Eu tinha uma vontade louca de ter você, de transar com você. Desculpe eu falar assim abertamente. Não estou resistindo. É que eu estando aqui perto de você aquele mesmo desejo me invade. Estou com uma vontade louca de beijar sua boca que sempre me enlouqueceu. Meu rosto ficou vermelho e ele riu. -Não acredito que uma mulher como você ainda se cora ao ouvir isto. -Não costumo me corar, mas você me deixa assim, sem saber o que fazer. -É que você me quer também. Vamos sair daqui. Vamos terminar o que não terminamos naquela época. -Eu ainda sou casada. -Mas disse que está em crise, que está se separando. Deixe-me sentir você. Nem que seja por uma vez. Nós dois precisamos muito disto. Somos adultos, não precisamos de tanto pudor. -Não sei se tenho coragem. -Você parece uma mulher tão determinada e continua não conseguindo tomar decisões, como antes? Eu me calei. Ele novamente me puxou pelo braço e eu mais uma vez me deixei levar. Eu também queria com todas as minhas forças terminar o que ficou inacabado. Entramos no carro dele e acabamos num motel. Todo aquele desejo reprimido e não satisfeito nos arrebatou. Nos amamos como se pudéssemos recuperar quarenta anos perdidos. Perdemos a noção do tempo. Muito depois estávamos deitados, abraçados e calados, cada um com seus pensamentos. Acho que não tínhamos coragem de falar, de expressar nossa satisfação. Ou tínhamos medo do porvir. Será que nos perderíamos novamente ou será que só queríamos mesmo aquele dia? Será que com este ato terminamos o que estava inacabado? Saímos dali, voltamos para o shopping. No estacionamento nos despedimos com um longo beijo e ele disse: -Eu amei ter terminado o que estava inacabado. -Eu também. Ele pegou minha mão e colocou nela seu cartão pessoal. Eu entrei em meu carro e fui embora. Não sabia se um dia teria coragem de procurá-lo. Não sabia se meu casamento terminaria ou se sairíamos da crise e ainda seríamos felizes. Não importa o que iria acontecer. O que importa é que vivi um dia de intenso amor e prazer com meu primeiro amor. Se fosse o único, já teria valido pela vida inteira…
Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 11/11/2021
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