O Brilho De Leonor
Até aonde a vista alcançava uma vegetação baixa se espalhava.
Um sol escaldante, um calor insuportável. Estava ali fazendo um trabalho de campo e ficaria lá por quase um mês. O lugar era pobre, praticamente não se encontrava hotéis nas pequenas cidades, e sempre muito simples. A alimentação era precária. As pessoas olhavam com desconfiança para mim e para a equipe que eu chefiava. Com uma certa razão eles não gostavam de gente que chegava lá para fazer pesquisas, trabalho de campo ou em busca das riquezas minerais. Sabiam que fatalmente iam bulir e, na maioria das vezes, destruir o meio ambiente. Já nos primeiros dias de trabalho naquele lugar eu tive una intoxicação alimentar ou pela água, não sei bem. Só sei que fiquei mal. No lugar em que estava não tinha médicos. A gente estava hospedado em uma pensão muito simples. Apesar de estar abatido e me sentindo sem forças eu fui para o campo. O funcionário que nos recebeu percebeu que eu não estava bem. Disse pra eu ir até a casa de uma senhora benzedeira ou curandeira. Eu ri. Estava mal, precisando de um médico e ele me manda para uma benzedeira. Mas à medida que o dia avançava eu fui ficando pior e resolvi ir ver a tal curandeira. -Boa tarde! A senhora é a dona Matilde? -Sim, sou eu. -Eu sou Samuel, estou fazendo um trabalho aqui nas imediações. -Você é o engenheiro que está passando mal? -Sim. Como a senhora sabe? -Eu sei de tudo que preciso saber. -E por que a senhora precisava saber disso? -Acho que quem precisa fazer as perguntas aqui sou eu. -Está bem. -Você quer só que eu lhe faça o remédio pra curar este mal ou quer que eu jogue as cartas e os búzios também? Eu completamente surpreso respondi: -Bem, na verdade eu não entendo nada disso. Faça o que a senhora achar que precisa. -Em primeiro lugar vamos cuidar desse mal que está lhe deixando tão abatido. Ela saiu e me deixou sozinho na sala cheia de velas e imagens. Estava ali distraído, pensando na vida e naquele mal estar. Quando olhei pra frente uma linda garota me olhava. Era morena, usava um vestido curto que deixava ver seu corpo perfeito e suas belas pernas, seus olhos e cabelos muito pretos se destacavam. Quando olhei ela sorriu um sorriso do tamanho do mundo. Eu fiquei olhando pra ela como se estivesse hipnotizado. Então a senhora Matilde voltou com uma caneca fumegante e disse: -Leonor, vá pra dentro. Já disse pra você não vir aqui quando estou atendendo. Ela saiu correndo. -É sua filha? -Não. É minha neta. Ela me entregou a caneca. -Tome todo este chá. Você vai se sentir melhor. Ela me olhou de uma maneira que eu estremeci. -Não é só o mal do corpo que lhe aflige, não é moço? -Eu passei recentemente por alguns dissabores. -Entendo. Vou jogar os búzios pra você. Eu fiquei sem saber o que dizer. Nem sabia do que ela estava falando. Ela jogou os tais búzios pra mim e eu fiquei surpreso com o que ela me falou. Falou de mim como se me conhecesse por toda a vida. Previu um futuro bom, bem melhor do que minha vida estava agora. Depois jogou as cartas. Era impressionante o que ela falava. Fez uma oração ou benzeção como ela falava. Por fim me deu mais uns chás e disse que no dia seguinte eu estaria recuperado. Eu saí dali meio tonto com tudo que ela me falou. Quando cheguei perto do carro, Leonor estava lá. Ela me olhou com aquele olhar faceiro. Sem dizer nada saiu correndo. Eu fui embora. À noite eu já me sentia bem melhor. Estava em minha cama completamente sem sono e pensando em tudo que me aconteceu durante o dia. E pensando em minha vida. Eu me casei aos vinte e quatro anos com minha primeira namorada, sempre fui apaixonado por ela. Tínhamos a mesma idade e namorávamos desde os dezessete anos. Alguns anos depois de casados ela começou a se mostrar. Sempre voluntariosa e sempre querendo luxo e futilidades. Eu não era um homem rico e começamos a brigar por eu não poder dar a ela tudo que ela queria. E ela nem pensava em trabalhar. Mas mesmo assim eu ainda a amava e queria ficar casado com ela. Depois de sete anos de casados eu descobri que ela estava me traindo. Estava tendo um caso com um outro homem há alguns meses. Um milionário. Eu tinha me separado há três meses e ainda sofria por aquela mulher que nunca me mereceu. E naquele dia eu pensava naquela garota, a Leonor. Uma beleza tão natural, tão espontânea. Coisa que minha ex nunca foi. Lembrava do seu sorriso, de suas belas pernas, de sua beleza. Pensava que ela devia ter uns vinte anos. Pensava em tudo que a curandeira me disse. No dia seguinte lá estava Leonor me provocando, me tentando, me tirando do sério, como uma bruxinha sedutora. E assim nos próximos dias. Poucos dias depois, eu estava sozinho verificando um terreno, numa clareira. Leonor apareceu do nada, chegou em silêncio e me surpreendeu. Estava mais provocante que nunca. A tarde já começava a cair e eu já me preparava pra ir embora. Todos os outros já tinham ido. Ela se exibia pra mim, roçava minha pele e eu tentando resistir. Por fim eu perdi o controle, o juízo e a razão. Eu a tomei em meus braços, nos enroscamos ali mesmo e transamos como se o amanhã não fosse existir. Ficamos deitados e abraçados ali naquele chão. -Você era virgem, Leonor? Você enlouqueceu? Como se entrega assim a um homem que nem conhece? A um forasteiro. Sabe que não vou me demorar por aqui. -Pra que todo esse falatório? Era pra você que eu tinha que me entregar. Eu estava predestinada a você. -Você e sua avó tramaram tudo isso? -Minha avó nem sabe que estou aqui. -Quer que eu acredite nisso? -Não me interessa que acredite ou não. Está feito. Tinha que ser assim. Se tiver que ir embora e nunca mais voltar, vai ser. Mas quando eu lhe vi eu soube que você e eu tínhamos uma história a viver. Não sei se por um dia, uma semana, um mês. Isso não importa. -As coisas não são assim, Leonor. Você sabe que eu vou embora e que você nunca mais vai me ver. -Que seja assim. Mas enquanto você estiver aqui, fica comigo. Eu não me importo que depois vá embora e não volte. -A vida tem suas normas. Não somos animais irracionais. Temos consciência, sentimentos. -Eu não quero saber de seu sermão. Está parecendo o padre Eurico. Eu a abracei e não disse mais nada. À noite eu estava inquieto. Pensava no que aconteceu. Pensava em tudo que a dona Matilde me disse. Pensava em tudo que Leonor me disse. Talvez ela fosse muito mais sábia que eu. Pra que temos que nos privar do desejo que nos consome e do prazer a que este desejo nos leva. Durante os dias que permaneci ali eu estive com ela. Consegui um lugar para estarmos juntos e passamos noites adoráveis e prazerosas. Apesar de inexperiente, como que por encanto ela me enlouquecia de prazer e gemia em meus braços. Vivemos momentos de puro êxtase. Encontrávamos nos braços um do outro a sensação de saciedade, de paz, de prazer completo. Por fim meu trabalho terminou. Nos despedimos naquela última noite encantada. Ela estava serena, tranquila. Não chorou, não me pediu nada, não me cobrou nada. Eu não entendia como ela se conformava assim com a minha partida. Ela não saberia onde me encontrar mas parecia não se importar. No dia seguinte eu parti. Estava com o olhar vazio e meus sentidos ainda com Leonor. Os dias iam passando lentos e eu não conseguia esquecer aquela bruxinha encantada. O tempo foi passando, a cada dia mais eu me sentia vazio e triste. Lembrava dos momentos vividos com aquela garota e a vontade de tê-la novamente em meus braços me invadia. Até que eu voltei àquele lugar. Eu não estava conseguindo viver sem a presença enigmática daquela linda mulher. Quando eu cheguei na casa dela, dona Matilde me recebeu. -Eu estava esperando por você. -Como me esperando? -Eu sabia que mais cedo ou mais tarde você chegaria. -Não estou entendendo. -As cartas e os búzios não mentem. Eu vou chamar Leonor. -Então sabia desde o principio que… -Sabia. -E por isso a jogou nos meus braços? -Não a joguei nos seus braços. Ninguém muda o que o acaso decide. Ninguém muda o seu destino. -Não acredito nessas besteiras. -Não importa que você não acredite. As coisas vão acontecer conforme o previsto da mesma forma. Ela virou e foi chamar Leonor. Quando ela me viu, se jogou em meus braços. E eu também colei meu corpo no dela, numa saudade que precisava ser saciada. Nós dois éramos tão diferentes. Meu mundo era tão diferente do mundo dela. Mas eu sabia que ela poderia aprender a viver no meu mundo sem perder o seu brilho, a sua espontaneidade, sua luz. -Dona Matilde, eu quero levar Leonor comigo. Prometo que assim que puder eu me caso com ela. -Eu sei. Se ela quiser ir, eu não vou impedir. Quem sou eu para mudar o destino. Nós fomos embora. Os olhos de Leonor brilhavam. Eu estava feliz. Estamos juntos há vinte anos e sei que ficaremos juntos enquanto vivermos. A cada dia me encanta mais o brilho Leonor.
Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 09/04/2022
Copyright © 2022. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |