Amor Possessivo, Abuso Emocional
Onde termina o amor e começa o ódio? Mas o ódio é tão próximo ao amor.
Talvez melhor perguntar onde termina o amor e começa o desprezo, a indiferença, o “tanto faz”? Houve um tempo em que eu pensava que relacionamentos abusivos eram só aqueles em que o parceiro machucava fisicamente a parceira ou vice-versa. Seja com agressões físicas ou sexuais. Mas agora eu sei que pessoas abusivas também são aquelas que machucam com palavras, gestos e ofensas e em vez de pedir desculpas, ainda culpa o outro pelo próprio comportamento e pelo modo que o outro reagiu à ofensa. Fico pensando como uma mulher inteligente, independente, acostumada a viver sozinha , ser dona de sua própria vida, entra de cabeça em um relacionamento desse tipo. Falta de inteligência emocional talvez. Carência e baixa autoestima? Insegurança? Eu tive muitos namorados, sempre fui a dona da situação. Por minha condição de mulher independente e livre, muitos homens se sentiam inseguros em se relacionar comigo. Alguns quiseram um relacionamento sério mas eu sempre adiava esta decisão. Não estava disposta a abrir mão da minha independência e liberdade. Estando sozinha eu tomava minhas próprias decisões sem ter interferência de ninguém. Não sentia falta de um companheiro ao meu lado. Sempre dizia que namoro era bem melhor que casamento. Até que naquele dia comum eu conheci Saulo. Fui apresentada a ele por um amigo. Ele tinha aquele jeito de galanteador e me olhou de um jeito que parecia me ver por baixo das roupas e parecia ver minha alma. Tinha uns olhos castanhos tão claros como nunca vira antes. Era lindo, alto, másculo, charmoso, carismático. Quando sorriu eu me encantei. Uma atração fatal tomou conta de mim. Conversamos por algum tempo. Quando nos despedimos eu já estava apaixonada. Não conseguia parar de pensar nele. Acabei forçando um encontro, supostamente, casual. Ele se mostrava interessado também e a gente começou a se encontrar com frequência. Ele era sempre muito gentil e atencioso e quando me tocava um frio de puro prazer percorria meu corpo. Por fim a gente chegou na cama e foi sensacional. Eu pensava que não podia mais viver sem ele. E ele demonstrava o mesmo. Éramos ambos solteiros e começamos a namorar. Ele passou a frequentar minha casa e quando percebi ele já estava praticamente morando lá. Ele era carinhoso, atencioso, gentil, dava presentes e mandava flores sem nenhum motivo. Eu ficava encantada e estava completamente envolvida e apaixonada. Ele fazia declarações e demonstrava amor. Uma noite estávamos em um restaurante. Conversávamos e tomávamos um drinque antes de pedir o jantar. Do nada ele teve um ataque de ciúmes e me acusava de estar flertando com outro homem. Eu tentava explicar que não era verdade, que eu nem sabia do que ele estava falando, mas ele ficava cada vez mais nervoso e acabou com nossa noite. Fomos embora sem jantar e eu me sentia ofendida com a acusação infundada dele. Mas me convenci que o ciúme era por insegurança e por me amar demais. Estes ataques de ciúme se tornaram frequentes. Onde íamos ele achava que eu estava flertando com alguém. Como se onde quer que fôssemos tivesse sempre um homem interessado em mim e eu nele. Brigávamos e ele me ofendia, mas eu sempre me convencia que ele só era um homem ciumento. Muitas vezes ele falava em terminar o relacionamento e ir embora, mas eu tentava de todos os modo convencê-lo a ficar pois não conseguia mais viver sem ele. E quando nos reconciliávamos era maravilhoso. Um tesão sem limites nos invadia e nos entregávamos a um prazer sem fim. Um tempo depois nos casamos. Eu o amava e estava feliz. Ele também estava feliz e apaixonado. Mas ele continuava tendo ataques de ciúmes e eu sempre me convencendo que era porque ele me amava. Eu tinha uma vida profissional mais bem sucedida que ele e um nível cultural e de vida bem melhor que o dele. Ele se sentia inferior e tentava me humilhar de várias formas. Tudo que eu fazia ele criticava e dizia que eu precisava melhorar. Fazia tudo por mim e tentava me convencer que eu não era capaz de fazer a mínimas coisas do dia a dia. E eu tentava me convencer que ele fazia isso por amor. Mas no fundo me sentia magoada. A princípio nós fazíamos tudo juntos, ele me sufocava e não me dava espaço. Mas pra mim isso era muito amor. O tempo foi passando e eu me sentia sufocada com tudo que ele me fazia, mas eu o amava e me convencia que ele era um homem apaixonado. Ele deixava que eu escolhesse as viagens, os restaurantes, os passeios. Nunca tomava uma decisão. Mas depois me cobrava dizendo que eu nunca me preocupava em saber o que ele queria. Mas continuava deixando todas as escolhas em minhas mãos. Em casa no entanto ele resolvia tudo e a palavra final era sempre dele. O que ia comprar, alguma reforma, cores, modelos. Tudo ele resolvia e se eu tentasse dar minha opinião ele se irritava. E eu aceitava tudo me convencendo que ele sabia das coisas. Aos poucos a relação foi ficando mais desrespeitosa. Ele saia com amigos e nem me avisava. Quando eu cobrava ele dizia que eu queria controlá-lo. Ele falava alto e me convencia que eu estava errada em cobrar qualquer coisa, Eu me sentia magoada mas não tinha coragem de tomar uma atitude. Quando eu ameaçava reagir, ele ameaçava ir embora e me deixar sozinha sem o seu porto seguro. Eu sempre recuava. Aos poucos eu fui percebendo a chantagem e que ele não queria ir embora. Era só pra me deixar amedrontada. Cada vez mais ele me convencia que eu precisava dele para tudo e eu me convencia que o melhor era ficar com ele apesar de estar infeliz e insatisfeita e nem sentir mais amor. Todas as vezes que ele me magoava, que ele agia de maneira desrespeitosa, sem consideração ele sempre achava uma maneira de jogar a culpa em mim. Ele me convencia que sempre agia daquela forma por minha culpa. E nunca se desculpava pelo que fazia. E aos poucos eu sentia que não estava mais apaixonada. Nem atração física eu sentia mais por ele. Mas estava dependente. Sentia que não podia viver sem ele. Sentia medo de ficar sem ele e não conseguir tocar minha vida pois a cada dia ele me convencia disso. Mas a cada dia a situação piorava e eu ficava mais insatisfeita e percebia que não podia mais ser tão desrespeitada como mulher e ser humano. Fui aos poucos amadurecendo a idéia que precisava me separar dele e que não merecia nem precisava ficar com um homem por quem só sentia desprezo, com quem nem conseguia mais transar. Eu merecia uma vida mais digna e melhor. Naquele dia eu estava disposta a terminar aquele casamento, aquela relação abusiva. Pela milésima vez ele me desrespeitara de maneira acintosa. Mas tinha medo de mais uma vez fraquejar e o deixar ficar. Quando eu disse que não dava mais pra continuar daquele jeito, que queria o divórcio ele não acreditou. Começou a dizer que ia embora mas esperando que eu dissesse pra ele ficar como todas as outras vezes. Ele começou a juntar suas coisas pra sair da minha casa. E eu me mantive firme. Ele se foi e eu chorei. Passei a noite em claro. Chorava e sentia uma tremenda insegurança. Teria que reaprender a viver sozinha. Já estava com mais de cinquenta anos e sentia medo de não conseguir. Afinal por mais de vinte anos ele fazia tudo por mim na tentativa de mostrar que eu era incapaz. Eu estava triste, minha casa e minha cama estavam vazias. Não sabia como agir daqui pra frente. No dia seguinte eu estava abatida e insegura. Fui trabalhar e nem conseguia me concentrar. À tarde ele chegou com a desculpa de buscar o resto do que era seu. Tentou agir como se nada tivesse a conhecido. Dizia que eu precisava dele e que ele me amava e ia mudar o seu modo de me tratar. Chorou e fez mil promessas. Eu estava frágil e com medo de mais uma vez não ter coragem de tirá-lo de minha vida. Mas eu me mantive firme. Ele finalmente se convenceu que não teria volta. Quando ele saiu eu desabei e chorei como uma criança. Sabia que há muito tempo já não existia mais amor entre nós. Só a dependência que ele criou e da qual eu achava que não podia me libertar. Eu estava completamente sem chão. Não sabia mais viver sozinha. Como se não soubesse fazer mais nada. Ele criou toda aquela dependência pra que eu nunca me separasse dele e ele continuasse com o abuso que praticava contra mim. Sabia que eu teria que reaprender a viver sozinha e resolver tudo em minha vida. Várias vezes ele tentou voltar e eu fragilizada e com medo de enfrentar a vida, algumas vezes pensei em deixá-lo voltar. Mas aos poucos eu fui me fortalecendo. Aos poucos eu fui me libertando de toda aquela dependência e a cada passo que eu dava me sentia vitoriosa, livre. A sensação era de alívio. Como se eu tivesse tirado um fardo de minhas costas. E fui percebendo o quanto todo aquele abuso emocional durante todos esses anos me fez mal, fez eu me sentir diminuída, incapaz, incompetente. Aos poucos fui voltando a sair de casa com amigos, fui voltando a me sentir alegre e cheia de vida. Meses depois eu resolvi fazer uma viagem sozinha. Estava morrendo de medo e insegurança. Por algumas vezes estive pra desistir. Mas mesmo com medo, fui. Foi uma viagem maravilhosa. Livre das garras dele, que me vigiava todo o tempo, eu fui onde quis, fiz os passeios que quis, conheci muitas pessoas e me diverti. Eu me sentia livre e feliz. Reaprendi a viver sozinha e fazer tudo por mim mesma. Sentia-me livre e leve. Sentia-me feliz. Aprendi a me valorizar e ser dona de mim mesma. Sabia que nunca mais ninguém iria fazer comigo o que ele fez por tantos anos. Estava agora consciente do que um abuso emocional pode causar em uma pessoa. Estou curada e aberta a novas conquistas. Não fujo nem me escondo de nada. Se eu tiver de amar novamente, eu estou pronta. Mas nunca mais vou admitir ser usada e abusada por ninguém como eu fui por ele. Aprendi a lição e estou livre. (Esta é uma obra de ficção. Mas é a realidade de muitas mulheres)
Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 15/04/2022
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