Nádia Gonçalves

A cada dia cresço, esclareço e me transformo em prismas de puro brilho essenciais à minha alma.

Textos

O Casamento
Ele saiu batendo a porta.
Embora tantas vezes eu o tenha odiado, tantas vezes meu coração tenha sangrado e as mágoas estivessem acumuladas, as lágrimas rolaram por minha face.
Como em um filme, a nossa vida passou por minha mente. Desde que o conheci.
A atração e a paixão entre nós foi imediata.
Estávamos nos devorando com os olhos e quando iniciou uma música lenta ele, num gesto romântico e gentil, me chamou para dançar.
Ele sussurrava palavras lindas em meu ouvido e aquele contato com seu corpo me deixava alucinada.
Ali começamos a namorar.
Nosso namoro era um encantamento. Estávamos juntos todo tempo que tínhamos livre.
Aos vinte oito anos eu fui conhecer um amor que valia a pena.
Dois anos depois nos casamos.
Estávamos sempre juntos, fazíamos tudo juntos, se um não podia o outro abria mão.
Na cama, era só prazer e entrosamento. Dias e noites de  volúpia, luxúria.
Quando discordávamos de alguma coisa sempre chegávamos a um consenso
Quando brigávamos por algum motivo, a reconciliação era intensa e apaixonada.
Mas o tempo foi passando e a falta de diálogo foi minando o relacionamento.
Brigávamos. Silêncio.
Ofendíamos um ao outro. Silêncio.
Mágoas. Silêncio.
Insatisfação. Silêncio.
Falta de intimidade. Silêncio.
Falta de reciprocidade. Silêncio.
O coração sangrava, os ressentimentos se acumulavam. Silêncio.
De repente já não havia mais espaço para o amor. Só para o orgulho, para as palavras cortantes, para a mágoa e ressentimento..
Silenciosamente matamos tudo de bom que existia entre nós.
A vida passou a ser de gestos e atitudes automáticos. Até os momentos mais íntimos que eram tão prazerosos passaram a ser uma automática rotina sem carinho, sem vontade.
Com o tempo só restou desafeto, tristeza, desencanto, desamor.
Ele saiu batendo a porta.  
E as pessoas vão dizer: “Separaram assim de repente. Eram tão apaixonados.”
Não.
Separamos cada vez que o orgulho venceu o amor e não demos o braço a torcer.
Cada vez que dormimos na mesma cama sem ao menos dizer boa noite.
Cada vez que fomos dormir com o coração cheio de mágoas sem a reconciliação.
Cada vez que não dissemos um ao outro o que estávamos sentindo.
Cada vez que trocamos o diálogo pelo hostil silêncio.
Quando foi que nos tornamos velados inimigos que só faziam se agredir?
Quando foi que perdemos as rédeas daquele amor e deixamos que a falta de bom senso e os nossos defeitos falassem mais alto?
Talvez por imaturidade ou por incompreensão não conseguimos sustentar nosso amor.
Nosso orgulho e teimosia foi maior que aquele amor que sentimos um dia.
Ele saiu batendo a porta
Eu compreendi que casamento é muito mais que amor, muito mais que desejo, que prazer…
Muito mais que caminhar lado a lado, que gentilezas e declarações de amor.
Casamento é tolerância, compreensão, diálogo.
É ceder sem perder a dignidade, é se doar mantendo a integridade.
É a maturidade de entender o momento do outro e respeitar suas crises.
É a sabedoria de saber o momento exato de se calar e o momento de falar.
Mas agora de que me adiantava compreender tudo isso?
Ele saiu batendo a porta.
Eu precisava me reencontrar, me reestruturar, me refazer e seguir em frente. A vida segue e não vai esperar até que eu esteja pronta…

Os dias foram passando e eu percebi que o amor que eu sentia por ele permanecia vivo e eu sentia um grande vazio. A casa parecia imensa, minha cama parecia enorme e eu sentia um frio pela ausência dele ali.
Estava difícil seguir em frente sem ele.
Por semanas, meses não nos falamos.
Eu já começava a me acostumar com aquela dolorida separação.
No dia em que faríamos doze anos de casados eu amanheci triste e com muita saudade dele. Sempre neste dia, mesmo quando já não estávamos bem, ele me mandava flores e mensagens declarando seu amor. Agora estávamos separados e aquela ausência destes gestos dele deixava meu dia sombrio.
Cheguei no meu local de trabalho desanimada e triste.
No meio da manhã as flores chegaram. Ele mandou lindas flores com um cartão declarando seu amor e me convidando para jantarmos juntos e conversar sobre nós.
Eu não pensei em mais nada. Esqueci tudo que se passou e liguei pra ele dizendo que aceitava o convite para jantar.
Nós fomos jantar e conversamos muito, ponderamos nossos erros e o que poderia ser feito para voltar a sermos um casal feliz. Percebemos que nosso amor era mais forte que tudo.
Terminamos a noite em nossa casa, em nossa cama.
Reatamos nosso casamento.
Dizem que espelho quebrado não volta a ser o mesmo se for colado.
Mas nós entendemos que o nosso amor nunca se quebrou. Nós nos quebramos, nos machucamos, nos ofendemos, mas nosso amor permanecia íntegro.
Aprendemos a lição e seguimos em frente lidando com nossas crises e saindo delas com sabedoria e respeito.
Não sei se vamos ficar juntos até que a morte nos separe, mas sei que vamos tentar e agora sabemos como fazer o melhor por nós.





Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 02/06/2022
Alterado em 02/06/2022
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