Guerreira
Aquela notícia caiu como uma bomba sobre minha cabeça.
Estava acabando de perder meu emprego. Não estava acreditando nisso. Sempre fui uma funcionária exemplar e dedicada. Mas muitas vezes isso não é suficiente. Aquele chefe injusto e parcial já estava me perseguindo há muito tempo e esperando uma oportunidade para puxar de vez meu tapete. Eu nunca me curvei aos desmandos e assédios dele. Eu me mantive firme e não deixei que vissem o quanto eu estava desesperada. Saí dali pensando no que faria agora. Não chorei. Depois de tantas coisas por que já passei na vida, pouca coisa me levava às lágrimas. Dizem que se a gente ganhar um limão deve fazer dele uma limonada. Eu olhei para aquele grande, indigesto e amargo limão que caiu em minhas mãos e pensei como faria dele uma limonada. O que mais me preocupava era o bem estar de meus três filhos. Eu era pai e mãe deles. Sempre tive dedo podre pra escolher namorados. Sempre encontrava um malandro ou irresponsável ou preguiçoso ou explorador. E quando fui me casar não foi diferente. Ele não parava em nenhum emprego e se tornou ou já era um alcoólatra. E nunca procurou ou quis ajuda. O fato é que eu me separei daquele encosto quando nosso filho mais novo tinha três anos. E como ele nunca parava em um emprego, nunca pagava pensão. Eu desisti de tentar cobrar e percebi que eu mesma é que tinha que criar, educar e sustentar meus filhos. Eu era de família humilde e sempre lutei com dificuldade, mas nunca desisti. Eu sabia que se quisesse alguma coisa na vida teria que batalhar e fazer tudo por mim mesma. Com muita dificuldade consegui estudar e desde muito cedo comecei a trabalhar em uma ou outra coisa pra ter o meu dinheiro e perseguir meus sonhos. Consegui cursar uma faculdade e já estava trabalhando naquela empresa há dez anos. Na época que meu primeiro filho nasceu eu fui trabalhar lá. Agora estava desempregada. À noite olhei meus três anjinhos de dez, sete e cinco anos dormindo e então chorei. Pensava como eu faria para bancar tudo. Eles estudavam em um colégio particular pois eu tinha uma bolsa de setenta por cento, fruto de um convênio com a empresa. Agora eu perderia esta bolsa. Eu queria dar a eles uma formação de excelência pois sabia que é o melhor que podia lhes deixar. Tinha o aluguel, as despesas da casa. Pensei que precisava encontrar logo um novo emprego. Beijei cada um deles e fiz uma oração fervorosa a Deus para que me iluminasse e que eu encontrasse um meio de manter o padrão de vida daquelas criaturinhas que eram a minha vida. Nem me importava comigo, sempre fui acostumada com pouco. Mas não queria que nada faltasse a eles. Minhas reservas eram mínimas e a minha indenização trabalhista não ia durar muito. Naquela noite eu não conseguia dormir e fiquei conversando com Deus e pedindo que me guiasse a um novo emprego. Quando consegui dormir tive uns sonhos confusos. No dia seguinte elaborei meu currículo e fui batalhar um trabalho. Aqui na minha cidade tinha uma ou outra empresa que poderia me oferecer o salário que eu ganhava, mas estava disposta a aceitar o que aparecesse. Fui ao colégio e pedi, chorei, me humilhei, implorei que não tirassem a bolsa de meus filhos, mas o máximo que fizeram foi me dar uma bolsa de cinquenta por cento pois eles eram ótimos alunos e eu fiquei grata por isso. Depois de dois meses, nada de conseguir um emprego. Parece que não tinha vaga em lugar nenhum. E as contas não esperavam. Numa noite eu estava desesperada e orando a Deus pedi que mandasse qualquer coisa que pudesse garantir o sustento dos meus filhos. E nessa noite eu tive um sonho em que eu estava em uma cozinha industrial onde eu cozinhava e eram pratos de confeitaria. Eu acordei e fiquei pensando naquilo. Eu aprendi cozinhar bem cedo com minha mãe que era uma excelente cozinheira e trabalhou a vida toda em uma padaria. Imediatamente fui à casa dela e pedi que me ensinasse tudo que ela sabia, todos os truques e receitas. Enquanto eu não conseguia um emprego, iria fazer doces e coisas de confeitaria e vender nas portas de escolas, nas empresas, nas ruas se fosse preciso. Havia de dar certo. Eu não ia desistir e ia conseguir me manter e manter meus filhos Tomei aquele sonho como uma mensagem de Deus. Eu ia continuar procurando emprego, mas ia também fazer esse bico enquanto o emprego não vinha. Muitos disseram que era uma bobagem, mas eu sabia de mim. Com a ajuda de minha mãe meus produtos ficavam muito bons e aos poucos consegui fazer uma boa freguesia. Fui aprendendo todas as manhas da boa culinária. E como tinha muita experiência em administração e vendas, sabia administrar meu negócio. E conseguia manter minha família. Tempos depois, com muito sacrifício, resolvi montar um Buffet Depois de alguns anos abri uma confeitaria que tempos depois foi expandida e agreguei ao negócio uma padaria. Sempre com minha mãe ao meu lado. Um dia aquele chefe que tanto me perseguiu chegou na padaria e veio me cumprimentar e me dar os parabéns pelo meu sucesso. Eu o agradeci e disse que foi graças a sua perseguição e à demissão que ele causou que eu cheguei até ali. Ele não disse nada e saiu sem graça. Com o tempo e a medida que meus filhos foram terminando seus estudos fomos expandindo os negócios e eles vieram, um a um, trabalhar comigo. Eles não herdaram a índole ruim do pai. São sérios e trabalhadores. Não foi fácil conseguir tudo o que consegui. Foi fruto de muito esforço, muito trabalho, muita renúncia, muito sacrifício, muito sapo engolido. Mas valeu a pena. Hoje eu sou a empresária, mas sei tratar com respeito meus funcionários. Com a benção de Deus, meu esforço e a preciosa ajuda de minha mãe eu consegui fazer uma bela limonada do limão que jogaram em minhas mãos. Nunca voltei a me casar. Namoro às vezes e quando vejo que o dedinho podre fez a escolha errada, eu saio fora daquela relação tóxica. Olho pra trás e nem acredito que cheguei até aqui. Todos os esforços foram recompensados. E me orgulho do pai e mãe que fui para meus filhos pois eles se tornaram homens dignos e honrados. (Obra de ficção mas que retrata a vida de muitas mulheres guerreiras e vitoriosas.)
Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 14/06/2022
Alterado em 14/06/2022 Copyright © 2022. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |