Nádia Gonçalves

A cada dia cresço, esclareço e me transformo em prismas de puro brilho essenciais à minha alma.

Textos

Príncipe Ou Sapo?
Ela colecionava elefantes em miniatura. Desde que soube que elefante simboliza boa sorte, fortuna e é guardião da família, começou a comprá-los em todas as suas viagens e lojas de artesanato por onde passava. Ela já tinha tantos elefantes que precisava de um espaço só pra eles.

Perdeu seus pais muito cedo e foi criada pela  avó que lhe educou com carinho e amor, mas também era austera e firme com a neta.
Sempre foi estudiosa e ponderada. Amava a avó e aprendia muito com ela.
Era sonhadora e romântica. Esperava pelo dia em que seu príncipe encantado chegaria em um cavalo branco e a levaria para uma vida feliz e cheia de amor.
Sua avó lhe dizia que os príncipes encantados não são perfeitos e também decepcionam, magoam e machucam a princesa sonhadora e que muitas vezes um sapo pode ser mais encantador e gentil que um príncipe. Ela ria e zombava da avó dizendo que os sapos são muito feios e grosseiros.
Aos dezesseis anos ela conheceu um príncipe e ficou completamente apaixonada. Dizia para a avó que encontrou sua alma gêmea e a avó dizia para ela ter cautela que nem sempre as coisas são o que parecem ser.
Mas ela, uma adolescente romântica, mergulhou de cabeça e se entregou de corpo e alma àquele amor. Ela não sabia que ele só queria brincar. Só queira usar e abusar da menina apaixonada. Em pouco tempo ele cansou de seu brinquedinho e a deixou de coração partido.
Mas ela se recuperou e seguiu sua vida.
Foi cursar engenharia de minas, sua grande paixão. Sonhava com um futuro profissional brilhante em uma grande empresa.
Sua avó era seu porto seguro e sua conselheira. Sentia orgulho da neta e chorou no dia que a viu formada engenheira.
Num dia de tristeza sua avó partiu pra outra dimensão e a deixou sozinha. E ela chorou, se desesperou e pensou como viveria sem a avó.
Estava só no mundo. Namorou algumas vezes, mas só se decepcionou e pensou que não valia a pena se apaixonar. Mas ainda sonhava em encontrar seu príncipe, aquele que seria perfeito e a amasse de verdade.
Conseguiu realizar seu sonho e foi trabalhar em uma grande empresa. E foi firmando sua carreira como profissional séria e competente que era.

Num dia em que estava muito triste leu sobre os elefantes. Soube que muitas pessoas colecionavam elefantinhos. Sabendo o que representavam, decidiu que ela também ia colecionar elefantes e supersticiosa que era pensou que eles iriam lhe trazer boa sorte e um amor de verdade. Desde então onde quer que fosse procurava pelas miniaturas.

O tempo ia passando e ela se apaixonando por seus elefantes, mas a boa sorte no amor nunca chegava. Já estava com trinta e três anos, vida profissional estabilizada e promissora, mas sempre sozinha. Não tinha muitos amigos. Gostava de viajar, mas na maioria das vezes ia sozinha. Sempre que viajava ou que ia a algum evento esperava encontrar o seu príncipe, mas ele não chegava.
Ela estava cada vez mais sozinha e sentia um vazio no peito, uma insatisfação pela vida que estava levando. Tantos sonhos ela sonhou e se contentou em ser uma funcionária exemplar, ter conforto e uma casa linda e prática para morar.

Ela se encolheu sentindo frio. Mas não o frio de fora. O frio que vem da alma e faz todo seu corpo se sentir gelado. Por mais que se agasalhe, o frio continua a cobrar uma atitude. E ela inerte, sem sair do lugar como se estivesse congelada, sem conseguir se mover.
Onde foi que, pelo caminho, ficou a mulher sonhadora? Onde estaria naquele momento a mulher que queria conquistar e mudar o mundo? Naquele momento onde estaria o seu amor que lhe deixava abandonada? Cadê a coragem de viver aventuras, de fazer as viagens que sempre sonhou, de correr riscos, de se atirar sem medo das consequências?
E naquela noite ela foi dormir pensando no vazio de sua vida, na sua solidão, na falta de objetivos e sonhos.
Teve um sono agitado e tenso. E teve um sonho. Sua avó conversava com ela diante de sua coleção de elefantes. Dizia que ela só seria feliz quando tirasse dali aquela coleção. Que todas as coisas mudariam e sua vida se transformaria. E seria feliz. Ela se sentia triste pois amava seus elefantes. Cada um deles tinha uma história. Começou a chorar e acordou assustada.
Por muitos dias pensou naquele sonho. Sua avó sempre lhe deu conselhos sábios e acertados. Olhava os elefantes e pensava que talvez eles estivessem atrasando a sua vida.
Decidiu vendê-los. Sabia que havia muitos colecionadores e que um deles poderia se interessar pelos seus. Afinal eram todos lindos e ela tinha elefantes de todo o mundo que adquiriu nas viagens que fez ou em sites e lojas.
Colocou um anúncio de venda. Várias pessoas se interessaram e foram ver a coleção, mas nenhuma fechou negócio com ela.
E um dia um colecionador quis ver as peças. Marcou com ela.
Ela abriu a porta e viu um homem que aparentava ter trinta e poucos anos. Usava óculos e parecia um nerd meio atrapalhado.  Ele se apresentou e ela o convidou para entrar e olhar a coleção. Ele entrou e logo de cara tropeçou na soleira e quase caiu em cima dela. A cada passo ele se mostrava mais atrapalhado. Parecia nervoso. E ela ficou encantada com seu jeito tímido e atrapalhado.
Ele olhou a coleção e ficou muito interessado. Disse que ia pensar na proposta dela e daria uma resposta.
Dias depois ele ligou e a convidou pra conhecer a sua coleção e então conversariam sobre o negócio. Ela lembrando daquele nerd encantador aceitou o convite e combinaram.
Quando chegou, ela percebeu que tudo ali era muito prático e metodicamente organizado. Ela, um tanto bagunceira e nada metódica, pensou como alguém podia viver assim.
Ele falava pelos cotovelos, tropeçava nos objetos em sua própria  casa, como se estivesse tenso com a sua presença.
Quando ela viu a coleção ficou deslumbrada. Eram lindos e rigorosamente dispostos.
Ela pensou que aquele homem não existia.
Eles conversaram, ele ofereceu um drinque e a deixou a vontade. Ele contou que trabalhava com tecnologia da informação, falava de vários assuntos como se quisesse falar tudo ao mesmo tempo.
Ela saiu de lá um pouco zonza com os drinques e com aquele homem que lhe pareceu inteligente, culto e simpático, mas sempre atrapalhado. E sem fechar o negócio.
Ele ligou pra ela muitas outras vezes e sempre conversava por muito tempo.
Ela soube que ele gostava de montanhismo, de mergulho, de viagens exóticas, de boa leitura e música. E ela se enxergou nele pois gostava de tudo aquilo.
Ele a convidou para uma caminhada no final de semana. Iam subir até o alto de uma montanha próxima. Ela nem hesitou e aceitou.
Quando chegaram a vista era deslumbrante. Ela se emocionou. Ele estava muito perto dela e meio atrapalhado a beijou. Ela ousou. Abraçou e mostrou a ele como se beija de verdade.
Voltaram enamorados. E não se desgrudaram mais. Todos os finais de semana tinham um programa agradável e ela se sentia viva e feliz.
Como ele não se decidia nunca, ela se colocou na cama dele e eles descobriram que rolava uma química intensa.
Descobriram que tinham todas as afinidades. Viajaram juntos e sentiram que foram feitos um pro outro.
Ela sentiu que aquele sapinho desengonçado e atrapalhado a fazia muito mais feliz que qualquer príncipe encantado garboso e empedernido.
Então ela entendeu o sonho que tivera com a avó e todos os seus conselhos.
Ela não vendeu a sua coleção, mas seus elefantes se mudaram pra casa dele juntamente com ela. E eles eram felizes e seriam enquanto a vida permitisse e enquanto houvesse tempo, espaço e amor…

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 04/10/2022
Alterado em 09/09/2023
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