Retrato desenhado em grafite pelo artista Maurício Paulino
O RetratoRemexendo em meus guardados me deparei com meu retrato desenhado em grafite, por um artista local, em 1990. Estávamos num barzinho e o artista chegou. E meu namorado, na época, pediu que ele fizesse o retrato. Numa moldura bonita ele ficou ali esquecido. O papel estava amarelado e manchado, mas o desenho continuava intacto. Parei para observar o retrato e minha mente viajou. Trinta e dois anos se passaram. Tanta vida vivida. Antes e depois daquele desenho. Alegrias, tristezas, lágrimas, sorrisos, comemorações, lutos, vitórias, derrotas, viagens inesquecíveis, trabalho. E aquele retrato me acompanhando. Por um tempo na parede e depois guardado e esquecido. Mas assistindo a tudo em silêncio. Olho para os traços. Sou eu. Mudei tanto em todos esses anos. Por fora e por dentro. Faço uma viagem por minha vida desde a infância quando viver era apenas viver, sem preocupações. As maiores preocupações eram com os estudos, as leituras que eu sempre amei, as fantasias e as brincadeiras. Coração leve, puro e inocente. A adolescência quando tantos conflitos e dúvidas aparecem. Todo o medo de enfrentar o mundo, os hormônios se transformando e me transformando em uma mocinha, meu corpo se transformando e muitos garotos percebendo a mulher que aos poucos desabrochava. O primeiro baile quando então as mocinhas eram apresentadas à sociedade, o baile de debutante. Os bailes no clube da cidade onde as moças eram tiradas pelos rapazes para dançar, num clima de doce sedução. Daquela dança podia surgir namoro, passageiro ou duradouro. O primeiros amores, os sonhos, a timidez que muitas vezes me atrapalhou. Os olhares, os sorrisos, o inocente jogo de sedução. O amor platônico. O primeiro namorado. O primeiro que me decepcionou O primeiro que decepcionei. O primeiro beijo… Um tempo em que era tudo tão diferente de hoje. Havia romantismo, respeito. Meu primeiro emprego aos dezessete anos, antes mesmo de ingressar na faculdade. O vestibular que era o terror dos jovens. A faculdade que era tão diferente do ensino médio. Novos colegas, nova realidade. Novo emprego enquanto cursava a faculdade, quando fui trabalhar como professora de adultos que não estudaram no tempo certo. Muitos eram mais velhos que eu e olhavam desconfiados aquela jovenzinha que se metia a ensiná-los. Mas eu, decidida, segui em frente e ver o desenvolvimento deles era gratificante. Sei que ensinei muito a eles e se tornaram melhores e muitos chegaram à universidade, mas talvez tenham me ensinado muito mais sobre a vida, sobre o mundo, sobre a convivência humana e sobre experiência e sabedoria. E ali muito mais que alunos, encontrei amizades sinceras. A formatura, a responsabilidade de uma profissão. Novas escolhas profissionais, novos rumos, muitos amigos, outros namorados. Até chegar àquele dia em que foi feito o retrato. Depois… Um casamento que não seu certo, novas escolhas profissionais, perdas irreparáveis e doloridas, muita saudade, novos amores, novo casamento, aposentadoria. E a vida segue até quando Deus quiser, mas sempre na esperança que amanhã será um novo dia da mais louca alegria. Mas fundamental é viver o hoje como se não houvesse amanhã pois o hoje, o presente é só o que temos. Daqui um instante tudo pode mudar Então vamos viver enquanto é tempo. Não tive filhos. Não senti nem as delícias e nem as aflições de ser mãe. Procurei pelo artista que fez o desenho e pedi que ele o refizesse. E ficou tão bom quanto o outro. Mas aquele antigo e amarelado permanece comigo. Ele viveu comigo a minha história.
Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 17/10/2022
Alterado em 17/10/2022 Copyright © 2022. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |