Nádia Gonçalves

A cada dia cresço, esclareço e me transformo em prismas de puro brilho essenciais à minha alma.

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Seu olhar estava endurecido pelas tantas lutas que travou na vida.
Endurecido também estava seu coração.
Sentia que nem capacidade de sonhar  e amar tinha mais.
Fred nasceu em uma família pobre. Uma família que já começou num susto. Seus pais casaram porque sua mãe estava grávida. Seis meses depois do casamento ele nasceu e eles nem sabiam o que fazer com aquela criança tão frágil e indefesa.
Sua mãe saía para os botecos com o marido e levava o bebê que ficava jogado e mal cuidado.
Mas ele era teimoso e cismou que iria sobreviver.
Seu pai bebia muito e ele nasceu em um lar desestruturado.
Um ano e meio depois nasceu seu segundo irmão, mais um filho em uma família que não sabia criar nem um. E depois mais um e mais um.
A família passava dificuldades e os pais brigavam muito.
Desde muito pequeno ele tomou a decisão de que jamais seria um alcoólatra como seu pai  nem desequilibrado como sua mãe. Teria vida própria.
Não se lembrava de um gesto de carinho por parte de seus pais. Abraços e palavras de amor e incentivo inexistiam em sua família.
Seus pais colocavam os filhos no colégio muito cedo para que eles tivessem o lanche e também pra se livrarem deles uma parte do dia.
Fred gostava da escola e achava que era a melhor parte de seu dia. Era estudioso, curioso e sempre queria aprender mais. No ensino básico era sempre o orgulho das professoras, mas despertava o ciúme e inveja de outros colegas que não se esforçavam, mas não toleravam que outros brilhassem. Ele era sempre hostilizado e brigavam com ele.
Fred guardava tudo em seu coração e cada ofensa, briga ou palavras rudes só serviam para que ele se fortalecesse.
Quando tinha nove anos seus pais se separaram.
Pouco tempo depois sua mãe foi morar com outro homem. Era um homem rude que maltratava Fred e seus irmãos.
E sua mãe não demorou ficar grávida de seu quinto filho.
Por esta época o padrasto começou molestar Fred. Ele tentava se esquivar, mas um dia quando sua mãe saiu aquele monstro o estuprou na frente dos irmãos.
Ele contou pra sua mãe, mas ela não acreditou e disse que Fred estava fazendo intrigas. O padrasto o ameaçou e a mãe o mandou morar com o pai e os avós paternos. Sua mãe nunca mais o procurou e ele também não a procurava.
Embora aquele acontecimento tenha causado uma ferida muito profunda em sua alma e tenha causado traumas terríveis, ele prometeu a si mesmo que  não tornaria aquilo grande o suficiente para tirá-lo do foco de ser alguém na vida. Isto pra ele era mais importante que qualquer coisa.
Continuou estudando e fazendo pequenos trabalhos para ajudar em casa.
Seu pai bebia cada vez mais e havia muitas brigas de seus avós com ele. Fred procurava mergulhar em seus sonhos pra não se envolver ou escutar aquelas discussões. Não era raro seu pai chegar em casa ferido por brigas ou quedas nas suas bebedeiras.
Fred guardava tudo em seu coração e seguia em frente. Aos poucos se tornava frio e insensível. Sabia que seus irmãos passavam por dificuldade e tentava fazer alguma coisa por eles, mas não ficava sofrendo. Sabia que só podia contar consigo e não podia ajudar os irmãos no momento.
Quando tinha dezoito anos amou uma mulher. Seus olhos pousaram na mais linda garota da pequena cidade.
Mas ele não sabia que muitas vezes o amor é uma via de mão única e que nem todas as pessoas tem um coração pulsando no peito. Muitas têm apenas uma pedra que bombeia sangue e não têm sentimentos. A garota era arrogante e presunçosa, mas sabia de seus planos de se mudar para a capital e viu aí a chance de sair daquela cidade que odiava.
E enfim ele foi embora para a capital com a cara e a coragem e um pouco de dinheiro que juntara. Ela o acompanhou jurando amor e companheirismo.
Chegando lá ele conseguiu emprego em um restaurante como garçom A garota vivia com ele, mas não queria trabalhar. Não parava em nenhum emprego que conseguia e ele arcando com as despesas. Mas como a amava de todo o coração, aceitava. Até que ela conheceu um turista estrangeiro que a levou consigo. Ela pisou sem dó em seu coração   que ficou em pedaços. Ele jurou que ninguém jamais voltaria a quebrar seu coração.
Fred mergulhou no trabalho e nos estudos e conseguiu passar no vestibular.
No ano de 1982 ele ingressou numa Universidade Pública para fazer o curso de Direito. Ainda com a capacidade de sonhar ele se via como um grande advogado criminalista, tributarista ou de empresas. Ele só estudava e trabalhava. Não se divertia, não namorava, não gastava com futilidades. Cada vez mais se tornava solitário e fechado em si mesmo. Raramente visitava sua família. Mas quando fazia sempre aconselhava seus irmãos a seguirem seu caminho e não se perderem na vida.
Passou por muitas humilhações, dificuldades e adversidades. Na maioria das vezes não podia comprar os livros que precisava. Ainda assim se esforçava por ser um bom aluno.
Trabalhava muito pra se sustentar e estudava no tempo que lhe restava. Muitas vezes pensou em desistir, a cada dificuldade se tornava mais descrente da vida e das pessoas.
Quando estava no último ano da faculdade foi fazer estágio em um grande escritório. Lá ele se esforçava e aprendia muito e se apaixonou de vez pelo Direito.
Mas neste ano também teve uma grande tristeza quando seu pai faleceu ainda novo em virtude do alcoolismo. E ele sentiu o quanto o amava e o quanto gostaria que ele o visse formar e se orgulhasse dele. Fred tomou ainda mais aversão às bebidas alcoólicas.
Ao formar foi efetivado. Dava tudo de si e procurava aprender tudo que podia com os advogados experientes.
Sua vida começou a melhorar e ajudava seus irmãos como podia.
Ele sempre se dava bem em todos os processos por sua dedicação, amor à profissão e competência. Ganhava a confiança dos seus chefes.
Mas sua vida pessoal continuava vazia e triste. Ele vivia para o trabalho, era solitário e se ressentia de amizades  e de companhia, mas fingia que não ligava. Seus fardos, traumas e desilusões pesavam em seu coração. Ele não sabia como cuidar disto.
Um dia estava esperando por uma audiência com o juiz quando chegou uma advogada.
Ele estava olhando o processo e ela sentou-se perto dele e puxou assunto.
Ele estava distraído. Olhou pra ela. Ela sorriu e começou a conversar.
Quando ele saiu da audiência ela o esperava e convidou para um café.
Eles conversaram muito naquele dia e ele se sentiu encantado com uma mulher tão inteligente, sensata, simpática e linda. Era alguns anos mais velha que ele. Eles voltaram a se falar por telefone e se encontraram outras vezes. E ele nunca tomava uma iniciativa.
Ela o beijou, mostrou que estava interessada, abriu o jogo.
Ele disse:
-Eu tenho medo.
-Medo de quê? De mim ou de mulher?
-Medo de me envolver.
-Por que você tem um olhar assim tão frio e distante?
-Por tudo que eu já passei.
-Conta. Quero entender você.
-Eu não confio em ninguém.
-Então eu estou saindo fora. Não quero estar com quem não confia em mim. Não tenho segredos, já lhe contei toda a minha vida sem medo.
Ela se virou pra sair.
-Espera.
-Esperar o quê?
-Você é uma mulher incrível.
-Mas você não confia em mim.
Ele contou sobre sua vida.
-Você acha que todas as pessoas são iguais? Que todas querem ferir, machucar, que todas são desleais? Não acredita que existem pessoas sinceras?
-Não sei. Só sei que não quero me machucar mais.
Ela o abraçou.
-Você precisa de ajuda. Você pode mudar sua vida. Não deixe que as pessoas ruins que você encontrou, as dificuldades e dores que você passou continuem norteando sua vida e lhe fazendo mal. Não vê que agindo assim elas continuam presentes e lhe prejudicando? Se for preciso procure ajuda profissional, mas mude sua vida. Viva, seja feliz, deixe que estas pessoas saiam definitivamente de sua vida.
Ele chorou como não chorava há muitos anos.
-Eu preciso de ajuda. Eu quero ajuda.
-Eu estou aqui. Eu quero ficar na sua vida. Eu não quero lhe fazer mal. Mas se um dia não der certo entre nós eu não vou estar fazendo nada por mal. Você precisa parar de pensar que todo mundo quer lhe prejudicar. Deixe de ser a vítima e passe a tomar conta de sua vida.
Ele olhou pra ela como quem pede socorro. Ela acariciou seus cabelos, deu-lhe colo e suporte.
A partir daquele dia ela esteve presente na vida dele, ajudou em tudo e ele aos poucos foi aprendendo que a vida não é só sofrimento e desilusão.
Seu coração se derreteu pra ela e seus olhos voltaram a sorrir.
Ele aprendeu a acreditar que tinha direito de ser feliz.
Tempos depois eles abriram seu próprio escritório e cresceram como profissionais e como seres humanos.
Seguiram juntos a sua vida e não  se arrependeram de acreditar um no outro.
Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 09/03/2023
Alterado em 13/03/2023
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