Nádia Gonçalves

A cada dia cresço, esclareço e me transformo em prismas de puro brilho essenciais à minha alma.

Textos

Viver, Viver #Memorial Recantista# #Eu apoio#
Ela olhou para trás, para o tempo que passou. Era tempo demais.
Pensou em quanto tempo ainda teria pela frente.
Seu corpo cansado e arqueado pelos anos de vida e luta queria sossego.
Mas sua mente ainda tinha vida e disposição de sobra.
Sentada na poltrona que acolhia seu corpo pensava no quanto ainda queria fazer.
Quantos livros ainda queria ler.
Quantos desenhos ainda queria fazer.
Quantas histórias e estórias ainda queria contar e escrever.
A família criada, sozinha em sua viuvez sentia que tinha todo o tempo do mundo.
Era tanto tempo que nem sabia o que fazer sem seu velho companheiro querendo sua atenção a todo momento, seus filhos chamando a cada instante, sem tantos afazeres que a casa exigia. Comida preferida de um, roupa que o outro queria, tudo sempre limpinho.
Ela fechou os olhos e viajou no tempo.
Lembrou do dia que se casou há tantos anos.
Muitos sonhos ela e seu amado tinham.
Alguns foram realizados, outros ficaram para trás.
O brilho do amor muitas vezes foi ofuscado pelas dificuldades.
Os filhos foram chegando.
Nada foi fácil, mas tudo valeu a pena.
Pensou que se pudesse escolher não teria tido tantos filhos, sete. Eram muitos, mas pensava que não queria perder nenhum e orava todos os dias por cada um.
Estavam todos bem com suas famílias.
Tinha netos, bisnetos. Uma família linda.
A orgulhosa matriarca com seus quase noventa anos tinha muito a agradecer a Deus.
Passou por tudo e chegou aqui.
Se morresse hoje sentia que já tinha cumprido a sua missão.
Mas enquanto Deus lhe desse vida ela queria viver bem.
Seu aniversário estava chegando: noventa anos.
Seus filhos estavam preparando a festa.  E eles estavam mais entusiasmados que ela.
Diziam que tinham muito a festejar, que ela tinha muito a festejar. Afinal não são muitas as pessoas que chegam até lá. Ainda mais cheia de saúde e lucidez.
Ela levanta-se da poltrona. Uma dor aqui outra ali. Também se na sua idade  não doesse nada ela já estaria é morta.
Sentou-se à mesa. Abriu seu caderno e continuou a escrever suas memórias. Tudo manuscrito com sua letra bonita. Computador não era coisa pra ela.
Depois desenhou um pouco. Gostava tanto e tinha tanto talento.
Olhou o velho relógio na parede. Era hora de dormir. E quem sabe ter lindos sonhos.
Levantou e se encaminhou para o quarto
Amanhã a vida iria continuar e esperava ter muito tempo para fazer o que gosta.
Sua solidão não doía nem machucava. Tinha em si tanta vida e história que a solidão não alcançava seu coração.



Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 24/10/2023
Alterado em 24/10/2023
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