Muito Além Da Razão #M#
Ele sempre foi diferente.
Quando criança conversava com animais e plantas e todos achavam engraçado. Mas ele levava a sério. Aos quinze anos sentia-se mal por ser diferente dos outros adolescentes. Tinha premonições e avisos e sempre tentava evitar acidentes. Muitas vezes conseguia. Aos vinte anos era um rapaz solitário. Suas diferenças afastavam as pessoas. Estava sempre no parque da cidade onde caminhava e ouvia os animais e árvores. Eles lhe entendiam. Aconselhavam. À beira do lago, sentiu que um menino estava prestes a cair na água. Olhava fixamente, mas não conseguia ir até ele. O menino caiu. Correndo pulou no lago e ao pular se transformou em um grande peixe. Salvou o menino. E ao sair do lago já tinha novamente seu corpo. O acontecimento o deixou abalado. Nunca lhe acontecera antes. À noite sonhou que se transformava em vários animais e acordou assustado. Não queria mais sair de casa e nem ir ao parque. Aos poucos voltou a caminhar junto ao lago, às árvores e aos animais. Várias outras vezes se transformou em pássaro, onça, cão, cavalo e tantos outros. Ajudava e salvava bichos, pessoas e bens. Apesar de fazer o bem muitos se afastavam dele com medo. As pessoas não entendiam o que acontecia e ficavam assustadas Ele se sentia incompreendido e cada vez mais sozinho. Sentado na grama do parque conversava com alguns animais. Viu um homem com uma criança de uns oito anos. O menino gritava muito e era ameaçado pelos seu agressor. Transformou-se em um grande urso, espantou o homem e resgatou a criança. O menino chorava muito. Ele então, já em sua forma, o abraçou e tentava acalmá-lo. A mãe chegou fazendo um escândalo. À policia disse que aquele monstro sequestrou e molestou seu filho. Não havia testemunhas a seu favor. Foi levado e preso. Foi condenado. Sua alma entristeceu. Seus dias naquele presídio eram solitários. A injustiça corroía seu corpo e alma. Algumas vezes se transformava em pássaro e voava livre pelo céu. Sentia-se então feliz e conversava com outros pássaros. Contava sua história Mas tinha que voltar. Seu coração chorava. Um dia, vendo passar uma passarada pela janela de sua cela, ele se encheu de coragem. Transformou-se em um deles e os seguiu. O carcereiro não conseguia explicar o desaparecimento do preso. O diretor do presídio ordenou a caça ao fugitivo, mas não obteve sucesso. Os presos interrogados não sabiam dizer o que ocorreu. Ninguém conseguia dar uma explicação satisfatória para a misteriosa fuga Por onde fugiu? Não havia nenhuma abertura ou saída. Como conseguiu desaparecer da cela? Sua família pedia explicação sobre o que fizeram com ele. Nunca mais voltou. Talvez tenha ficado pra sempre entre os pássaros onde não havia maldade. Ou quem sabe foi fazer o bem em outras paragens. Num lugar onde não havia injustiça nem ingratidão. Onde não só os animais e plantas lhe entendiam. Onde as pessoas compreendiam seu modo de ser. Onde pudesse ser acolhido e sentir-se inserido. Onde pudesse ser amado mesmo vivendo muito além da razão.
Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 10/01/2024
Alterado em 11/01/2024 Copyright © 2024. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |