Nádia Gonçalves

A cada dia cresço, esclareço e me transformo em prismas de puro brilho essenciais à minha alma.

Textos

Romance De Fotonovela
Elias caminhava em direção ao trabalho, como sempre distraído. Estava atrasado e andava rapidamente. De repente esbarrou em uma mulher que só não foi ao chão porque ele a segurou. Bem próximos, olhou em seus olhos, viu seu belo rosto e sentiu seu delicioso perfume.  Ela se recompôs e olhou com cara de poucos amigos. Reclamou da falta de atenção e seguiu seu caminho. Ele ficou observando. Era uma mulher elegante, bem vestida, sapatos de saltos altos, cabelos e maquiagem impecáveis. Seguiu seu caminho pensando no acontecimento.

Elias era um homem solitário. Com quase quarenta anos ainda era solteiro e morava sozinho. Namorou poucas vezes. Namoros passageiros. Quase não tinha amigos nem convivia muito com a família. No trabalho ficava na sua. Era considerado esquisitão pelos colegas da repartição. Vivia no mundo da lua, no mundo dos sonhos.
Naquele dia chegou e ocupou sua mesa de trabalho. Pensava naquela mulher. Lembrava de seus olhos de um azul intenso, mas vazios e distantes. Sentia seu perfume, seu corpo passeava por seu olhar. É linda, disse em voz alta. Tímido que era, não disse uma palavra e sentiu o rosto enrubescer. “Sou mesmo um trapalhão.” — pensava ele.
Em casa, na solidão da noite, ainda pensava na bela desconhecida. Será que algum dia a veria novamente?, perguntou pra si. Pensou na sua vida e no quanto a solidão pesava algumas vezes. Não queria ser como era. Queria ser mais solto e aberto, ter facilidade para fazer amizades e sempre sonhou encontrar um amor verdadeiro que o compreendesse e partilhasse a vida. Mas se acomodava e esperava que este amor caísse do céu, mesmo trancado em si mesmo. Vivia de casa para o trabalho e do trabalho pra casa. E agora sentia que esbarrou em seu amor ali no meio da rua. Mas onde poderia encontrá-la nem que fosse pra se desculpar?
Todos os dias se preparava para encontrar a desconhecida. Fazia planos, ensaiava palavras pra dizer na hora exata. Os dias escorriam lentos e o encontro esperado não acontecia. Talvez ela só estivesse ali por acaso e nem aparecesse mais. Sua vida se tornou ainda mais solitária. Nunca foi só um esquisitão, era romântico e sonhador. Passava os dias e noites sonhando com a bela mulher. Vivia encontros lindos. Sonhava acordado e dormindo, sentia seu perfume, olhava em seus olhos. O tempo passava e nada de descobrir quem era a mulher misteriosa.

Lilly era solitária. Depois que perdeu seus pais e seus dois irmãos seguiram seus caminhos ela morava sozinha. Teve um único namorado que conheceu quando tinha quinze anos. Namoraram por oito anos e já faziam planos para o casamento quando ele conheceu uma outra mulher que ficou grávida e ele covardemente a abandonou. Desde então não confiava em nenhum homem.
Ao contrário da maioria das mulheres do seu tempo, estudou, fez curso de datilografia e taquigrafia e foi trabalhar. Trabalhava desde os dezesseis anos numa grande empresa. Há doze anos era secretária da presidência, lugar que conquistou com muito empenho, dedicação e competência. Era funcionária de total confiança do presidente que delegava funções. Conhecia tudo sobre a empresa e nunca decepcionou. Vestia-se com elegância, estava sempre muito bem arrumada e maquiada por exigência de seu cargo. Era uma mulher refinada e discreta.
Durante o dia estava sempre muito ocupada e nem pensava em sua vida. À noite quando estava em casa a solidão algumas vezes machucava seu coração. Aos trinta e sete anos ela ainda sonhava com um amor sincero que preenchesse o vazio de sua vida, mas tinha medo de se decepcionar novamente. Lia fotonovelas e romances que a faziam se apaixonar pelos personagens. Nas revistas lia sobre os artistas e suas vidas cheias de aventuras e sonhava fazer parte delas. Muitas vezes se apaixonou por artistas, cantores ou jogadores de futebol, principalmente do seu time de coração. Era torcedora apaixonada, embora não fosse comum uma mulher gostar e entender de futebol na época.
Nutria uma paixão platônica por seu chefe, o presidente da empresa, mas ele, casado, nunca olhou para ela senão como uma excelente funcionária. Ao ler seus romances e fotonovelas ela se colocava no lugar da mocinha e o chefe no lugar do galã e vivia paixões ardentes onde se deliciava com beijos e carícias que a consumiam de desejo. Mas ao acordar, estava novamente sozinha e carente.

Elias não sabia que Lilly não deu a mínima importância ao encontro deles naquela manhã. Nem sabia da sua existência. E ele continuava sonhando em encontrá-la e falar coisas de amor. O tempo passava e cada um em sua solidão ia tocando a vida e driblando a infelicidade. Nunca conheceram verdadeiramente a felicidade. Viviam para o trabalho e quando na solidão de suas noites tentavam preencher o tempo com música ou leitura para suportar o viver sem sentido. Fingiam que a solidão não machucava, mas no fundo era difícil conviver dia a dia com ela.

Naquele fim de tarde Elias estava na banca de jornais. Sempre passava por ali depois do trabalho. Olhava as novidades e conversava com o dono sobre futebol, política ou alguma banalidade. Estava olhando alguns jornais e comentava as notícias quando sentiu um perfume. Seu coração pulou no peito. Será que era quem pensava? Olhou e se deparou com os olhos azuis de sua bela. Tremia da cabeça aos pés. Ela cumprimentou o dono e perguntou pelas novidades. Ele mostrou algumas revistas. Elias se recompunha para tentar falar com a sua princesa. Quando ela ia saindo, ele encheu-se de coragem. Eles se apresentaram. Ele falou do incidente e ela disse que nem se lembrava mais, que não teve importância. Lilly se despediu e foi embora sem dar tempo de mais nada. O dono da banca contou quem era  e onde trabalhava.

No dia seguinte Elias mandou flores para Lilly. Ela recebeu, lembrou-se do encontro no dia anterior. Ficou encantada com as flores, não era comum recebê-las, mas não se importou com o homem que as mandou. Ele não fazia o seu tipo. Não era nenhum galã de fotonovelas ou de romances. Vestia-se com desleixo e era, decididamente, uma figura muito comum. Parecia romântico pelas flores e o cartão, mas não era o suficiente para chamar sua atenção.

Dias depois Elias foi esperar por ela na saída do trabalho. Ela conversou um pouco com ele e permitiu que a  acompanhasse. Ele falou de sua vida e quem era. Ela não mostrava muito entusiasmo. Como não era de desistir facilmente ele continuou mandando bombons, livros e muitas flores. Sempre ia esperá-la na saída do trabalho. Ela estava um pouco constrangida, mas não conseguia dar um basta naquilo. Nunca foi tratada com tanto carinho. Ele continuava investindo. O tempo passava e nada dela ceder.

Por fim, talentoso e criativo que era, escreveu e criou uma fotonovela tendo os dois como personagens. O final era feliz e os dois completamente apaixonados viveram felizes pra sempre. Ao ler ela chorou e finalmente cedeu. Ligou e marcou um jantar. Eles seguiram se conhecendo e no primeiro beijo Lilly percebeu que talvez não precisasse de um galã em sua vida, mas um homem de carne e osso que a amasse e respeitasse, que desse sentido à sua vida. Começou a sentir-se apaixonada, a sonhar com véu e grinalda.

Apaixonados, casaram-se um tempo depois, ela vestida de noiva como sempre sonhou e ele elegante em seu terno escolhido por Lilly. Ganharam uma linda viagem de lua de mel do presidente da empresa.

Adaptaram-se  à vida a dois aprendendo a respeitar suas individualidades a que sempre estiveram acostumados. Como num romance de fotonovela foram felizes pra sempre…




Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 22/07/2024
Alterado em 23/07/2024
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