Exuberante
“Eu gosto de ser mulher
Sonhar arder de amor Desde que sou uma menina De ser feliz ou sofrer Com quem eu faça calor Esse querer me ilumina E eu não quero amor nada de menos Dispense os jogos desses mais ou menos Pra que pequenos vícios Se o amor são fogos que se acendem Sem artifícios Eu já quis ser bailarina São coisas que não esqueço E continuo ainda a sê-la Minha vida me alucina É como um filme que faço Mas faço melhor ainda Do que as estrelas Então eu digo amor, chegue mais perto E prove ao certo qual é o meu sabor Ouça meu peito agora Venha compor uma trilha sonora para o amor Eu gosto de ser mulher Que mostra mais o que sente O lado quente do ser Que canta mais docemente” (Letra da música “O Lado Quente do Ser” Composição Marina Lima e Antônio Cícero, na voz de Maria Bethânia) Não que ela fosse exigente, apenas não suportava certos defeitos em um homem. O machismo, a falta de caráter, a ignorância, o se sentir superior à mulher já era suficiente para descartar o cara. Era ela que dava as cartas para o jogo seguir. Casamento nunca foi opção que coubesse em sua vida. Sempre se sentiu à frente de seu tempo, como se sua alma tivesse escolhido a hora errada pra nascer. Sempre foi linda e exuberante. Onde quer que fosse chamava a atenção dos homens. Gostava de ver os caras virando a cabeça por ela. Aos quatorze anos já tinha um corpo de mulher e começou a sentir o gosto de ser olhada e cobiçada. Nos bailes, no clube daquela pequena cidade, era disputada para uma dança. E escolhia com quem queria dançar. Era um tanto rebelde e não entendia o tabu em torno da virgindade das garotas e do assunto sexo. Pensava que quando encontrasse alguém que valesse a pena ia experimentar o sexo e perder a virgindade só pra saber porque eram assuntos tão proibidos. Ela tinha dezessete anos quando conheceu um cara que vinha da capital, a trabalho. Quando ele a olhou ela se sentiu nua. Mas não baixou os olhos e nem corou, simplesmente perguntou se ele tinha gostado. Ele riu e engataram um papo. Encontraram-se outras vezes e quando ele a beijou ela se sentiu derreter. Ele era um homem diferente de todos que tinha conhecido. Era inteligente, culto, falava sobre vários assuntos e ela aprendia muito com ele. Era ousado e a tocava de uma maneira que ela chegava a sentir vertigem. Aprendeu o que é o desejo, conheceu melhor seu corpo e suas reações. Não resistiu às investidas e foram parar na cama. Ele era experiente e foi carinhoso. Seu corpo respondia às carícias e se sentia delirar. Ficou um pouco decepcionada. Achou a dança frenética do sexo ridícula e aquele encontro de corpos um tanto anti-higiênico. Ficou pensando que havia algum erro de projeto no fato dos aparelhos excretores serem tão próximos e até ligados à área de tanto prazer e intimidade. Rolou um certo nojinho. Mas nem por isto deixou de aproveitar o encontro e momento de paixão, desejo e prazer. Se era assim, o jeito era fechar os olhos e curtir. Pela vida afora nunca deixou de pensar que o ato sexual tinha sua parcela de ridículo e no erro de projeto. Mas sempre amou o prazer que advinha daquele ato ridículo num local do corpo tão mal projetado. Achava que as carícias, os toques de pele, os beijos, abraços e o “gran finale”, com convulsões de prazer valiam muito a pena. Naquela noite ela chegou em casa pensando que todos iam ver na sua cara que já não era mais virgem, que se tornara uma mulher. Esperava por olhares acusadores. Mas nada aconteceu. O fato de perder aquele selo de mocinha não mudou em nada a sua vida. Continuava a mesma. Seus pais nem sonhavam que a sua garotinha já sabia o que era sexo e era uma mulher. Continuou encontrando com o cara até o dia em que ele voltou a morar na capital. Depois se encontraram algumas vezes, mas foram se afastando. Namorou outros caras. Namoro de cama e mesa que não era comum naquele tempo. Aos vinte e cinco anos, trabalhando desde os dezessete na única grande indústria da cidade, foi nomeada chefe da contabilidade, cargo raro para uma mulher na época. Despertou a inveja dos homens preconceituosos que pensavam que uma mulher não devia estar ali, ainda mais se fosse tão linda pois pra eles a inteligência de uma mulher era inversamente proporcional à sua beleza. Independente financeiramente resolveu sair de casa e morar sozinha. Foi um escândalo. Como podia uma mocinha de família sair da casa dos pais sem se casar? Com certeza ficaria falada por toda a cidade. Ela não abriu mão. Rapidamente as fofocas circulavam por toda a cidade. O namorado frequentava a casa da devassa e até dormia lá. As mulheres começaram a temer por seus maridos. O que não sabiam é que ela tinha seus princípios. Nunca se envolvia com homem casado e nem com colega de trabalho. Sabia se dar ao respeito e colocar qualquer engraçadinho no seu devido lugar. E sempre dava as cartas. Era dona da situação, sempre escolhia, nunca era escolhida. E chegou o dia em que aquele cara surgiu em sua vida. Um homem comum, sem muita beleza ou atrativos físicos. Talvez nem olhasse pra ele se não tivessem sido apresentados por um amigo. Ao conversar com ele rolou uma magia no olhar, um casamento de almas. Eles conversaram, se encontraram outras vezes e se envolveram. Pela primeira vez ela estava completamente apaixonada. Cega de paixão e desejo. Ele era um cara vivido, sofrido e se fazia de frio e indiferente. E ela a seus pés. Suas amigas diziam que não a reconheciam, perguntavam onde tinha ido parar a mulher que sempre estava por cima, mandava e desmandava na relação. Nem ela se reconhecia. Muitas vezes se humilhava. Ele aparecia quando queria, sumia por semanas e quando a chamava ela corria para seus braços. Ele fez o que quis dela por quase dois anos. Sem compromisso e sem respeito a tinha quando queria. Ela chorava suas ausências e jurava que nunca mais o perdoaria, mas sempre acabava em seus braços. Aos poucos ela acordou daquele transe. E um dia deu um basta. Colocou um ponto final num caso de amor que só a feriu. O prazer e as alegrias que desfrutava com ele não compensavam as lágrimas que derramava e o desrespeito que sofria. Ele altivo e orgulhoso não pediu pra ficar. Foi embora e ela não chorou. O tempo passou, ela conheceu outros, namorou, seguiu sua vida e nem se lembrava mais que um dia tinha se apaixonado pra valer. Acabou, ficou no passado, apenas história… Até que ele voltou… Declarou seu amor, disse que não conseguia viver sem ela. Prometeu que tudo seria diferente. Que superaria traumas e queria viver um relacionamento sério. Da maneira que ela quisesse. Ela resistiu por um tempo. Ele insistia. Roubou um beijo e ela sucumbiu e caiu em seus braços. Mas tudo foi diferente. A paixão já não a cegava. O que havia entre eles agora era amor sincero, tranquilo. Como mulher inteligente e sensata mudou conceitos, ponderou e sentiu que dividir a vida com alguém pode ser uma boa opção. Com amor e respeito foram vivendo por anos um relacionamento que nunca existiu antes na vida de nenhum dos dois. Foram fazendo história sem promessas, sem cobranças e sem amanhã. Um dia de cada vez, como deve ser.
Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 10/10/2024
Alterado em 13/10/2024 Copyright © 2024. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |