Nádia Gonçalves

A cada dia cresço, esclareço e me transformo em prismas de puro brilho essenciais à minha alma.

Textos

Topázio
João Paulo caminhava distraído. quando chutou uma pequena pedra. Nem olhou. Seguia seu caminho quando ouviu:

—Ei, você não me viu? Volte aqui. — ele parou assustado. Quem estaria falando? Olhou e não viu ninguém. Pensou que estava sonhando. Continuou caminhando.

—Não ouviu não? Volte aqui. — ele voltou, olhou, pegou uma pedra azulada. Colocou no bolso e seguiu.

João Paulo nasceu em 1978, dias depois da escolha do Papa João Paulo II, vindo daí o seu nome. Era o terceiro de seis irmãos. Em sua casa não faltava nada, mas também não sobrava. Seus pais praticavam agricultura de subsistência em seu sítio e iam vivendo e colocando filhos no mundo. Davam aos filhos a escolaridade possível ali no interior de Minas Gerais. Nunca ambicionaram muito na vida. Seus filhos seguiam o mesmo rumo.

João Paulo era diferente. Sonhador, dizia que seria alguém na vida. Não queria ficar pra sempre naquele pedaço de chão, sem eira nem beira. Não queria seguir os passos de seu pai, casar e encher o mundo de filhos. Por esta época tinha dezenove anos e fazia muitos planos para o futuro. Mas no fundo, sonhava sem sair do lugar.

Aos quatorze anos foi trabalhar em uma empresa de cristais e pedras preciosas. Por sua inteligência e talento foi logo colocado para aprender o ofício da lapidação de pedras. Bem depressa foi aprendendo e se tornando bom na arte de lapidar. Quando lapidou o primeiro diamante ficou encantando com seu brilho e beleza, com sua majestade e opulência. Pensou que um dia teria seu próprio diamante. Lapidava de cristais comuns ao diamante, se encantava com cada uma das pedras. Começou a sonhar em um dia encontrar cristais e pedras preciosas nas terras de seu pai. Sempre que podia estava estudando e tentando saber se tinha chances de encontrar algum veio ali.

Chegou em casa e sozinho no quarto tirou do bolso a pedra. Tinha mais ou menos o tamanho de um ovo pequeno. Observou bem, não conseguia acreditar. Parecia um topázio. Já havia lapidado vários. Olhou mais demoradamente. Acariciou a pedra e pensou que poderia ter tirado a sorte grande. Depois de tanto procurar a pedra caiu aos seus pés.

—Por que tanta admiração? Sim, sou um topázio. E caí bem aos seus pés. — “devo estar ficando louco” — ele pensou — Não. Você não está ficando louco. Cheguei pra te ajudar. Você sonha muito e age pouco. Pois bem, vou te ajudar a realizar seus sonhos. Em primeiro lugar você tem que me lapidar. Ao brilhar vou trazer o brilho pra sua vida.

—Você está brincando comigo. Pedras não falam. Sou um caipira que não tem instrução e nem traquejo, mas não sou louco e nem tão ingênuo.

—Se não acredita em mim e nem quer minha ajuda, jogue-me novamente lá no mato. Sabia que o topázio fortalece a mente, oferece clareza e pode trazer fortuna e sabedoria?

—E o que acha que pode fazer por mim?

—Vamos lá. Você tem que me lapidar.

—Não tenho como fazer isto. Aqui em casa não tenho materiais pra te lapidar.

—Pois vamos no seu local de trabalho.

—Ficou louco? Lá é vigiado vinte e quatro horas por dia, tem câmeras. Se for lá fora de hora vão me pegar. E se me pegam meu pai morre de desgosto e eu de vergonha. Meu patrão confia em mim e eu não quero quebrar esta confiança. Ele é bom e me deu oportunidades que muitos não tiveram. Esquece esta idéia.

—Aprenda uma coisa, é preciso saber quando transgredir. Uma transgressão que não causa prejuízo a ninguém e lhe faz o bem, pode ser necessária. Se o carbono não tivesse transgredido e se rearranjado não existiria o diamante e se não tivesse se ligado a outros elementos nem vida haveria na terra. São coisas que ninguém pensa, mas são verdades.

—Que loucura está falando. Transgressão é transgressão. Crime é crime. Pecado é pecado e ponto final.

—Eu te asseguro que não vão te pegar. Amanhã é domingo, vamos entrar pelos fundos. O segurança não vai te pegar e vamos nos esquivar das câmeras. Ninguém vai saber.

O Topázio tanto insistiu que foram lá e se deu a lapidação. Quando João Paulo olhou a pedra de um azul profundo e um brilho jamais visto se encantou. Ficou fascinado como se estivesse diante de um tesouro. Saíram e foram embora sem serem vistos.

—Você sempre quis encontrar riquezas nestas terras, não é? Vou te ajudar. Eu estimulo, recarrego, motivo e alinho os meridianos do corpo, direcionando a energia para onde é mais necessária. Trago a verdade, o perdão, alegria, generosidade, abundância e boa saúde. Pois bem, vamos a um lugar onde vai encontrar o que sempre procurou.

—Devo estar completamente louco por estar ouvindo uma pedra conversar comigo e mais, por acreditar no que ela me fala. — Foram andando e chegaram a uma gruta

—Está vendo esta passagem? Aqui em baixo tem uma gruta. Quem não conhece nem imagina o que se esconde aqui. Vocês  nunca pensaram em explorar o lugar.

—Meu pai já deve ter passado aqui, mas nunca pensou que tivesse a passagem.

—Observe bem se não tem ninguém por perto. Se estivermos sozinhos, entre pela passagem. É estreita. Tome cuidado. Olhe por ponde pisa. Trouxe a lanterna?

Entraram na gruta. Foram andando devagar pois tinha pouca luminosidade. Ele ia iluminando com a lanterna para não pisar em nenhum bicho peçonhento. O ar no lugar não era bom. João Paulo pensou em voltar. Era uma loucura entrar num lugar tão insalubre e perigoso. Podia nem sair mais dali. Mas a curiosidade e vontade de encontrar as pedras que sempre sonhou o fez prosseguir e acreditar na voz que ouvia.

—Chegamos. Olhe ali bem em frente. Tem uma fortuna em diamantes, esmeraldas,  alguns rubis e safiras, muitos topázios. Estas pedras estão esquecidas há muito tempo. Foram escondidas por escravizados que trabalhavam minerando. Algumas foram trazidas de longe. Pegavam o que conseguiam e escondiam aqui para um dia comprar sua liberdade, pra criação de quilombos ou para que tivessem condições dignas quando viesse a abolição da escravidão. Mas com o tempo os que sabiam do esconderijo foram morrendo e o lugar acabou se perdendo. São suas agora. Mas use a faculdade da sabedoria e esperteza. Não deixe que isto lhe suba à cabeça. Lembre-se que o dinheiro gosta de ser bem tratado, gosta de ser valorizado e bem usado. O dinheiro não gosta dos pródigos e logo lhes deixa na ruína. A fortuna que está na sua frente dá pra você, seus irmãos e seus pais viverem bem pelo resto da vida e ainda sobrará para seus descendentes.

—Mas eu nem sei como usufruir de tudo. Como disse não tenho muito estudo e nem sei como posso vender as pedras. Como posso aparecer com elas? Podem dizer que roubei.

—Enquanto eu estiver com você vai correr tudo bem. Cuide pra eu esteja sempre junto de si. Primeiro você tem que ver sobre os aspectos legais da coisa. Depois pode pedir a ajuda de seu patrão que é um homem bom. Provavelmente vai querer uma porcentagem do valor das vendas, mas pelo menos não vai te passar pra trás. Basta pra isto você conseguir um bom advogado pra te orientar. Eu estarei te protegendo.

—Por que escolheu a mim pra te encontrar? O que te dá o poder de falar comigo?

—Tanto você como seu pai são homens bons, honestos, merecedores de encontrar este tesouro. A terra é de vocês. Mas não mudem, não se corrompam pelo dinheiro, não deixem a honestidade de lado. Façam bom uso do que ganharem e o dinheiro se multiplicará. Façam o bem quando for preciso. Lembre-se que estão ganhando tudo. Não  neguem ajuda a quem precisar. Lembre-se que tudo isto foi juntado com muito sofrimento, suor, sangue e chibatadas. Mas não há nenhuma maldição. Foi-me passado o poder de dar a quem eu quisesse. Falo com você através do espírito de um dos que conheciam o lugar e quem sabe pode até ser antepassado de sua família. Tudo isto está livre para você usufruir. Vá em frente e lembre de sempre de fazer orações pelas almas dos escravizados que tanto sofreram nesta terra. Elas precisam muito e imploram por isso.

Eles saíram dali. João Paulo fez tudo como lhe foi dito. Sempre seguindo as orientações.  Fez fortuna e nunca se desviou do caminho do bem ou se separou do seu Topázio encantado que lhe trazia boas energias em tudo que fazia.


Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 10/02/2025
Alterado em 10/02/2025
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