Nádia Gonçalves

A cada dia cresço, esclareço e me transformo em prismas de puro brilho essenciais à minha alma.

Textos

Boa Sorte!
A noite estava insuportavelmente quente e ele estava insuportavelmente triste. Sua vontade era chorar até secar as lágrimas. E talvez assim conseguisse dormir e amanhecer mais leve. Dizem que chorar faz bem. Mas ele sempre ouviu de seu pai que um homem não chora. Quando era criança, ainda bem pequeno, todas as vezes que machucava ou caía, seu pai lhe dizia para engolir o choro, tinha que ser homem, tinha que ser forte. Ele queria chorar e não entendia aquela violência. Não sabia expressar seus sentimentos. Sempre viveu em um mundo em que as pessoas viviam de aparência, a hipocrisia imperava seja em família, na escola ou entre amigos e suas famílias.

Agora, aos vinte e nove anos, era um cara solitário, deprimido, triste. Pensava em fazer terapia, mas resistia. Pensava que não conseguiria expor seus sentimentos, lembranças e tristezas. Seu maior sonho na infância era ser um atleta, seja em esportes individuais ou coletivos. Mas nasceu com uma deficiência nas pernas, quase imperceptível aos olhos, Era o suficiente para impedí-lo de praticar esportes. Caminhava quase normalmente, mas não podia correr ou sofrer impactos.  Assistia competições na televisão e ficava triste. Calava-se, mas por dentro sentia-se morrer. Várias vezes pela vida afora pensou em se matar. Achava a vida sem sentido. Achava que não faria falta pra ninguém.

Sempre sentia-se inadequado. Sentia que não tinha lugar no mundo, que nasceu na família errada, no tempo errado, no corpo errado. Sentia vontade de voar alto, mas permanecia inerte em sua vida sem graça. Formou-se em tecnologia da informação por que seu pai queria, foi trabalhar na empresa que sua mãe queria. Quando não suportou mais a convivência na casa dos pais, foi morar sozinho, mas foi um “Deus nos acuda”. Eles fizeram chantagem emocional e pela primeira vez ele não cedeu. Sentia-se melhor, mas a solidão maltratava seu coração. Todos os dias prometia a si mesmo que iria mudar, que encontraria um caminho, mas quando a noite o abraçava, era o mesmo.

Sabia que sua mãe era infeliz e amarga. Nunca se realizou na profissão e nem era feliz no casamento. Tampouco seu pai era feliz. Vivia deprimido e tentava passar uma imagem do que não era. Várias vezes o flagrou se insinuando para outros homens, mas ele nunca assumiu o que era. Não sabia se sua mãe tinha conhecimento. O que sabia é que preferiam viver de aparências. Talvez se tivessem se separado e cada um ido viver o que queria, teriam deixado que ele vivesse. Mas isto não vinha ao caso. Ele sim, precisava aprender a viver e ser feliz, mas nem chorar conseguia. Nunca lhe foi permitido e ele nunca contestou ou desobedeceu.

Amou algumas vezes, mas neste caso também se sentia inadequado. Amava sempre a pessoa errada, quem não lhe dava a mínima. E quando levava um fora ficava em crise, pra baixo, deprimido. Curtia a tristeza por um tempo depois deixava pra lá, pensava que não nasceu mesmo pra ser feliz no amor. E novamente estava apaixonado. Sonhava e fantasiava uma vida feliz. Chegou a ficar com ela algumas vezes, mas ela sempre o esnobava, fazia pouco do seu amor. Até que lhe disse que ele era muito indeciso e imaturo. Que queria um homem mais atirado e cheio de atitude. Seu mundo caiu. Pensara  que desta vez amaria e seria amado. Pura ilusão.

Sofreu e teve pena de si por muitos dias. E naquela noite uma lágrima rolou de seus olhos. E outra. Mais uma. Uma rio de lágrimas. Todas as lágrimas represadas rolaram como uma avalanche. Ele soluçava, seu corpo tremia como se um encosto estivesse saindo dele, como se todas as tristezas de uma vida inteira estivessem sendo pranteadas. Toda sua vida passou como um filme. Ele soube que um homem pode chorar, que um homem tem sentimentos e emoções, tem necessidades e vontades. Chorou por seu pai e sua mãe, pelas escolhas erradas e pela obediência, pelos sapos que engoliu, pelos desamores, por todo bullying que sofreu. As lágrimas caiam aos borbotões.

No dia seguinte acordou leve. Imagens passavam por sua mente e seus olhos como se tivesse sonhado. Não foi trabalhar. Inventou uma desculpa qualquer e ficou ali deitado. Pensava em sua vida e estava decidido a mudar. Era um homem e iria agir como tal. Teve um ímpeto de escrever cartas para sua mãe e seu pai. Escrevia compulsivamente dizendo tudo o que sentia. Continuou escrevendo sobre sua vida e era como se botasse pra fora tudo o que sofreu, tudo o que guardou tantos anos, tudo o que lhe machucava e mantinha estagnado. Depois queimou todos aqueles papéis e sentiu que se livrou de cargas muito pesadas e inúteis. Passou o dia limpando gavetas e sentiu que se limpava.

Acordou com um propósito: queria se tratar, se libertar, ser feliz. Não lamentou o tempo que passou. Era agora tempo de cura e renascimento. Pela primeira vez tomou uma decisão firme. Tinha consciência que seria um árduo e longo caminho. Estava disposto a trilhar sem medo ou desânimo. Um dia seria capaz de perdoar seus pais e quem sabe entendê-los. Estava disposto a se despir de todas as máscaras e se livrar de todas as amarras. Quem sabe um dia encontraria um amor de verdade, transparente. Mas não se preocupava com isso. Sabia que se bastava e nunca mais usaria um amor como bengala e sim como asas para voar de encontro à liberdade e à felicidade. Desejou a si boa sorte!


Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 13/03/2025
Alterado em 13/03/2025
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