Nádia Gonçalves
A cada dia cresço, esclareço e me transformo em prismas de puro brilho essenciais à minha alma.
Textos
O Pássaro E A Lua Cheia
Longe, muito longe vivia Eugênio. Homem de sorriso largo, brilho raro nos olhos acinzentados. Simpatia contagiante, beleza rústica, músculos definidos. Quando falava parecia voz de anjo, música ao ouvido. Dizia coisas enigmáticas que acalmavam a alma e o coração. Seu olhar encantava e era como se ele olhasse através do corpo atingindo o espírito, a alma, a mente e o coração.

Vivia sozinho em uma casa simples, no fundo passava um rio. Era um local isolado. Tirava do rio e da terra seu sustento. Pedia licença à vaquinha para usar seu leite e às galinhas permissão para comer ovos. Ao pescar acariciava o peixe e pedia perdão. Cuidava da terra com o maior cuidado e carinho e agradecia pelo que ela lhe ofertava.

Sua irmã, Elvira, passava temporadas com ele. Eram parecidos no sentir e no pensar. Conversavam muito e ela sentia que aprendia e crescia em sabedoria. Observava quando ele produzia máscaras  que chamava “leda”. Ficava encantada com sua habilidade e paciência. Ficavam lindas. Nestes momentos ele ficava em silêncio como se estivesse colocando sua alma e energia no trabalho. Ela respeitava seu momento.

Certa feita sua irmã chegou com a amiga Suzana que estava precisando de um descanso. Ele as recebeu com alegria. Olhou para a visitante e ela se sentiu constrangida, como se ele a visse por dentro. Ele sorriu e ela se encantou com o sorriso que parecia tão espontâneo e legítimo como nunca vira antes. Viu naquele homem algo de muito especial.

Suzana percebeu que sempre apareciam pessoas procurando por Eugênio. Ele as recebia, conversavam e lhes entregava alguma coisa. Curiosa ela perguntou à Elvira o que significava aquilo. A amiga respondeu que vinham em busca da máscara que ele criava. Não quis explicar mais nada e ela não insistiu, mas queria muito ver as máscaras.

Na primeira noite de lua cheia que passou ali Suzana se encantou. Nunca viu a lua tão luminosa e clara. Parecia que uma energia boa invadia toda a área. Mais tarde ela e Elvira acordaram com um barulho. Foram no quarto de Eugênio e ele não estava lá. Não sabiam o que tinha acontecido. O dia estava pra nascer quando ouviram um farfalhar de asas como se um pássaro estivesse por perto. Abriram a janela e viram Eugênio caído. Pensaram que estava bêbado. Foram socorrê-lo e perceberam que não tinha sintomas de embriaguez. Elas não perguntaram nada e nem ele explicou.

Os dias passavam, Eugênio e Suzana iam ficando próximos. Conversavam e se sentiam atraídos. Ele falava de coisas que a deixavam curiosa. Falava da lua e de sua paixão por ela, da força das energias lunares sobre a terra, de espiritualidade e esoterismo. Finalmente ela perguntou sobre a máscara. Ele a puxou pela mão.

—Venha, vou te mostrar. — ela viu e sentiu um magnetismo — quer uma? Ela tem o poder de abrir mentes onde precisam ser abertas, traz paz, alegria, faz máscaras caírem.

—Que máscaras? — ele riu

—As máscaras que todos usam. Algumas até muito feias. Outras disfarçam a fealdade da pessoa. Outras trazem o engano. Muitas disfarçam a tristeza, as feridas que a vida provocou como esta que você usa.  — ela se espantou ele mais uma vez riu

—Você não usa máscaras? Vejo uma luminosidade em seu semblante, uma luz agradável e clara como nunca vi em ninguém, uma autenticidade que chega a doer nos olhos.

—Há muito me despi de minhas máscaras. Mas prefiro não falar sobre isso. Pegue a sua durma com ela e vai ver o que acontece.

—Se não usa máscaras, se é autêntico por que não diz o que sente por mim?

—Use a máscara. A gente conversa amanhã.

À noite Suzana colocou a máscara. Teve sonhos agitados, pesadelos, outros agradáveis e tranquilos. No dia seguinte acordou leve e sentiu que precisava meditar. Caminhou até à beira do rio, sentou-se. Muito depois Eugênio chegou. Ela percebeu a sua presença. Olharam-se por segundos e se beijaram. Foram se envolvendo e ali mesmo se amaram intensamente. Nos dias seguintes não se desgrudavam. Entregaram-se muitas outras vezes, e cada encontro fazia o amor dela crescer ainda mais. No silêncio dos gestos, ela sentia que ele também a amava.

Veio a lua cheia e ela percebeu que ele desapareceu. Ficou intrigada e o questionou. Ele mudou de assunto. Ela se demorava por lá. Nem queria ir embora. Na próxima lua cheia ficou atenta e viu quando ele saiu sorrateiramente. Foi atrás sem que ele percebesse. Viu que ele se contorcia. Estava assustada, mas ficou quieta. Ele foi se transformando em um imenso pássaro. Alçou voo em direção à lua. Ela observava cada detalhe. Ele dançava um balé para a lua que brilhava mais intensamente. Havia uma sintonia tão grande que dava a impressão que o pássaro e a lua se tocavam. O encontro luminoso durou um bom tempo. Depois o pássaro sobrevoava o lugar e era como se jogasse luz sobre a terra. Ela percebeu que o dia estava prestes a raiar e voltou rapidamente para casa. Pouco depois ele chegou. Ela contou a ele tudo o que viu. Ele a olhou sem surpresa.

—Você se achou muito esperta, não é? Na realidade só conseguiu ver porque abri a guarda e o coração pra você. Eu amo minha irmã, mas não me abri pra ela por isso ela nunca viu. Está muito curiosa? Dizem que tem homens que se transformam em lobisomens na lua cheia. Eu não. Estou aqui pra fazer o bem. Ao me transformar em pássaro, voar e dançar meu balé a lua me reconhece e me enche de energias do bem e de cura. Ao voltar eu espalho essas energias e elas alcançam quem vibra na mesma frequência ou, em oração sincera, clama por cura. O universo e eu estamos em sintonia. Somos todos energia, basta saber usá-las. As trocas de energia podem fazer o bem ou o mal. Depende da sintonia, da mente e do coração de cada um.

—Quando descobriu este dom ou poder que tem?

—Quando eu vivia uma vida que chamam de normal eu me sentia mal e insatisfeito. Todos os meses eu sentia a lua me atraindo, mas fugia. Até que num sonho eu vi a missão que tinha nesta vida. Comprei este lugar e me refugiei aqui. A primeira transformação foi muito dolorosa. Parecia que eu ia morrer ou ser um pássaro para sempre. Depois
fui me acostumando. Em sonhos recebi a missão de fazer as máscaras Leda. Esta palavra significa transformação, alegria, sintonia, felicidade, bem estar. Coloco minha energia nelas e são capazes de ajudar as pessoas a se transformarem.

—Você fala destas coisas com tranquilidade. Como se fosse corriqueiro. O que é pra você viver para cumprir uma missão, preservar a vida,  evitar a morte de pessoas.

—Não falo de vida e morte. Falo da existência, do ser, do sentir. Falo daquilo que não morre. Por que as pessoas sentem insatisfação? Por que adoecem? Falta equilíbrio entre mente, espírito e alma. O ego domina a mente para o material, o espírito e a alma querem o supremo sentir, a espiritualidade, a leveza do voar livre e sem amarras. Nesta luta o corpo adoece, sucumbe aos males que seria perfeitamente capaz de vencer com suas defesas. Se há equilíbrio o corpo vence toda doença. O ser nesta passagem terrena precisa de tão pouco pra viver. Carros caros, mansões, diamantes, ouro, luxo, milhões no banco em nada satisfaz ao espírito e à alma. Só satisfaz ao ego, à mente dominada. As pessoas trabalham o tempo todo pra juntar fortunas que não têm tempo de usufruir. Seus filhos imploram amor e presença. De repente o corpo sucumbe e fica tudo aqui para as futuras gerações que cometerão os mesmos erros. Assim caminha a humanidade. Desigualdade social, ódio, rancor, brigas, guerras, poder. Tudo porque o homem não entende de onde vem a insatisfação e tenta se livrar dela do modo mais torto. Entende?

—Estou encantada. Jamais imaginei  amar e ser amada por alguém tão especial.

—Nem eu jamais imaginei amar uma mulher tanto assim, a ponto de mostrar e falar sobre minha missão e tudo que viu. Você não veio aqui por acaso. Uma força maior te trouxe. Só não consigo captar toda a extensão  e desdobramentos deste encontro.

Ele a abraçou e beijou. Ficaram em silêncio. Chegou finalmente a hora de Suzana partir. Ela o questionou sobre como ficariam. Não queria ficar distante dele. Ao entender que ela tinha que partir ficou com o olhar nublado.

—Você veio passar uma estação aqui. Não sei o que leva, mas sei o que deixa. Jamais vou poder te esquecer. Vou levar sempre comigo tudo que vivemos, mas é chegada a hora de dizer adeus. Nossos mundos são diferentes.

—Se você fala, eu acredito e aceito. Mas meu corpo, meu coração e minha alma imploram por você. Se não posso ficar nem você ir, levo você pra sempre comigo.

Elvira resolveu ficar. Suzana partiu Passados alguns dias descobriu que estava grávida.  Logo ela a quem os médicos disseram que jamais poderia ser mãe. Lembrou que ficou pra morrer de tristeza e que isto acabou com seu casamento. Chorou e agradeceu aos céus, Agora sabia o que trouxe. Decidiu que não contaria a Eugênio. O tempo passou e seu filho nasceu. Tão parecido com o pai. Em seu coração ela imaginava se ele teria que continuar a missão do pai. Ele cresceu, já era um lindo jovem cada vez mais parecido com Eugênio em tudo. Falava às vezes por enigmas e ela já sentia que um dia seu filho ia partir. Ela o pegou olhando a lua cheia.

—Mãe, está vendo a lua? Tem um pássaro voando tão próximo dela, vê? Não parece estranho? — ela via e entendia.

—Um pássaro, meu filho? Não está imaginando coisas?

—Claro que não. Eu sempre quis muito voar e abraçar a lua.

Duas lágrimas correram dos olhos dela. Entendeu naquele exato momento a extensão e o desdobramento do encontro que teve com Eugênio e que ele não havia captado. Entendeu também que era chegada a hora de apresentar o filho ao pai…


Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 02/05/2025
Alterado em 04/05/2025
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