Nádia Gonçalves
A cada dia cresço, esclareço e me transformo em prismas de puro brilho essenciais à minha alma.
Textos
Amores Improváveis, Amores Clandestinos
Eduardo nunca soube muito bem quando surgiu aquela atração fatal. Pensava como pôde acontecer tal coisa. Tinha um casamento tão estável. Pensava que seria pra sempre,  Agora ficara sozinho e nunca a solidão pesou e doeu tanto. Traiu a esposa e foi traído pela outra. Em sua mente lembranças vivas.

Pensou que a paixão que surgiu entre eles fosse o suficiente para enfrentarem qualquer situação quando descobertos. Juntos seriam fortes. Mas se enganou. E pior, ainda se sentia apaixonado. Não sabia se doía mais o desprezo da esposa ou a traição da outra. Estava entorpecido por tudo que aconteceu. Não conseguia perdoar aquela que o jogou na situação em que estava. Mas, enfim, ela não errou sozinha.

Foi em uma noite de Natal que o sentimento entre eles aflorou. Já há algum tempo se olhavam de uma maneira diferente. Um belo dia eles se olharam e alguma coisa estava diferente. E ao abraçá-la pra desejar um feliz Natal seu coração disparou. Sentiu um forte desejo. E sentiu nela tanta vontade quanto a dele. Ficou desconcertado e logo foi pra junto da esposa. Tentava fingir pra si mesmo que nada estava acontecendo. Mas se olharam e um fogo se acendeu. Um fogo ardente que não sabiam até onde podia levá-los.

Eduardo acreditava estar exatamente onde deveria estar. Casado com Laura, pai de dois filhos,  presença constante nos almoços de domingo em família. A vida seguia como um rio tranquilo previsível, calmo, as vezes entediante. Clara era um rosto familiar nesse cenário. Casada com Marcos, irmão de Laura. Bonita de um jeito contido, voz suave, olhos que pareciam enxergar alem das palavras. Nunca houve nada entre eles alem da cordialidade natural que o parentesco impunha. Compartilhavam eventos, pratos e ate confidências leves sobre as crianças.

E de repente aquela paixão avassaladora pela concunhada.

Nas semanas seguintes, vieram os pequenos deslizes. Mensagens fora de hora, um meme engraçado, uma lembrança qualquer que justificasse o contato. Eduardo esperava pelas mensagens. Sentia falta quando elas não vinham. E então começavam conversas longas, intimas demais para serem inocentes.

Tentavam fingir, repetiam para si mesmos que era só afinidade. Que estavam apenas se distraindo da rotina. E um dia Clara pediu para Eduardo passar em sua casa para olhar um vazamento pois seu marido estava fora. Ele chegou meio sem graça, coração acelerado, emoções afloradas. Sabia que o vazamento era apenas uma desculpa. Clara, numa roupa provocante, perfume agradável e boca num batom claro, se aproximou e ficou em silêncio. Olharam-se por longos segundos e então se beijaram. Não disseram nada. Sabiam que não havia mais volta. Ali mesmo na sala eles se amaram.

Eduardo e Clara mergulharam num tempo suspenso, onde a realidade parecia distante. Nos encontros furtivos, havia delicadeza, medo, desejo, culpa e libertação. Passavam dias sem se ver. Mas bastava uma troca de olhares para tudo recomeçar. Criaram códigos silenciosos, escapavam para cafés distantes, motéis discretos, até mesmo na casa de cada um quando os cônjuges estavam fora.

Eduardo se via dividido. Em casa, Laura se tornava mais silenciosa, como se sentisse algo no ar, mas sem provas, sem certezas. Clara, por sua vez, estava cada vez mais inquieta. Marcos percebia seu distanciamento, as ausências justificadas demais, os silêncios que antes não existiam.

—A gente precisa parar. — Clara sussurrou no ouvido de Eduardo após se amarem e ainda estarem abraçados

—Você quer parar?  — ele perguntou sem conseguir esconder o desespero. Ela hesitou

—Querer, não quero, mas não podemos continuar assim. Tenho medo de sermos descobertos. Vai ser um escândalo. Vamos destruir nossos casamentos, magoar todo mundo.

—Temos que pensar em nós. Quem sabe não vai ser melhor a gente abrir o jogo e pedir a separação pra vivermos nosso amor? — Clara desviou os olhos

—É  impossível. Toda a sociedade vai nos condenar. E nossos filhos? Eles não merecem o massacre que vão sofrer na escola, com os amigos.

—Devíamos ter pensado nisto antes. Eu estou apaixonado por você e esta situação me incomoda muito. Não consigo mais nem olhar pra Laura e os encontros na casa do nosso sogro? Está cada vez mais difícil e constrangedor. Quero ficar com você sem me sentir culpado.

—Não tenho coragem. Meus pais jamais me perdoariam.

Mas não pararam. Continuaram, entre tentativas frustradas de afastamento e recaídas inevitáveis. O desejo era mais forte. Laura desconfiava de que algo estava errado. Começou a vasculhar o celular às escondidas. Encontrou uma mensagem. Não era explicita, mas despertou ainda mais a desconfiança. Observava e monitorava seus passos.

E Laura seguiu Eduardo que estacionou o carro um pouco distante da casa de Clara e acabou de chegar à pé. Vendo seu marido entrar ali, ela ligou para o irmão pedindo que ele fosse imediatamente pra casa pois precisavam acertar umas questões. Marcos ainda tentou ligar para Clara e quando viu que ela não atendia, largou tudo e foi para casa. Laura falou de suas desconfianças e pediu que entrassem em casa e pegassem os dois adúlteros em flagrante. Marcos hesitou. Não queria acreditar nem fazer sua esposa passar por uma situação tão vexatória. Mas acabou cedendo. Encontraram Clara e Eduardo nus no sofá da sala. Laura partiu pra cima de Clara. Marcos estava em choque. Parado no meio da sala sem ação, parecia estar petrificado. Eduardo vestiu sua roupa e foi separar as duas mulheres.

—Tire sua mão de cima de mim. Você não presta. E esta vagabunda, traindo a mim e ao Marcos e ainda fazendo-se de esposa exemplar e cunhada amiga. Fazendo pose de madame, mas não passa de uma prostituta, uma vagabunda. — Clara apenas chorava.

—Acalme-se, Laura. Vamos pra casa. Lá a gente conversa. Vou explicar tudo.

—Explicar o quê? A triste cena que eu e Marcos vimos explica tudo. Vocês nos traíram de forma torpe, vil. Tenho nojo de vocês. Fale alguma coisa Marcos. Não se acovarde.

Marcos continuava paralisado no meio da sala. Laura olhou pra ele com desprezo e saiu. Eduardo saiu atrás dela. Em casa eles conversaram e ela pediu que ele saísse de casa, que o casamento estava terminado. Não tinha mais volta e não teria nunca.

Clara tentou conversar com Marcos, se explicar. Disse que foi um deslize. Chorou, implorou. Marcos olhou pra ela como se não quisesse conversar, como se não estivesse entendendo nada. Disse que não faria escândalo. Que não destruiria a família dele por causa de uma fraqueza. Continuaram juntos, mas ela não frequentava mais a casa dos pais dele. Evitava encontrar os sogros e os cunhados. Nunca mais conversou com Laura.

A nova casa de Eduardo era pequena, silenciosa e fria. Os moveis improvisados, as paredes nuas e o eco constante dos passos solitários o lembravam, dia após dia o que perdera. Laura ficou com os filhos. Não brigou por nada na separação. Disse que só queria distância. Estava magoada, mas calma. Eduardo tinha pouco a oferecer além do arrependimento. Ela não aceitou o arrependimento e o pedido de perdão.

Nos primeiros meses, Eduardo viveu no piloto automático. Cumpria o horário no trabalho, comia qualquer coisa no fim do dia, dormia mal. À noite, ficava olhando para o teto escuro, tentando entender quando tudo começou a ruir. Tentava lembrar do homem que foi antes de Clara. E não conseguia. Era como se a memória de quem fora estivesse apagada por completo.

Clara não o procurou. Soube que ela seguia casada com Marcos. Que ele agia como se nada tivesse acontecido. Que fingiam que não houve nenhum escândalo. Ela voltara a sorrir em publico. Mas Eduardo sabia que aquele sorriso era diferente porque ele também tinha aprendido a sorrir assim. Às vezes imaginava que ela aparecia. Que dizia entre lagrimas que havia escolhido errado. Que ainda o amava. Mas isso nunca aconteceu. E, com o tempo, ele parou de esperar.

Meses depois Eduardo viu  Clara na rua. Não sentiu nada, Estava anestesiado. A mágoa que sentia pelo que se tornou a sua vida e por ela tê-lo abandonado, tinha tornado seu coração frio e triste. De longe ele a observou e disse pra si mesmo e para ela, ainda que não pudesse ouvir:

"Alguns amores nascem da carência, outros da verdade. O nosso nasceu da ausência daquilo que faltava em cada um. Por isso mesmo era inevitável. E foi condenado. Amores clandestinos não morrem. Eles silenciam e no silêncio vivem para sempre."

Eduardo nunca mais namorou, se relacionou com outra mulher ou voltou a amar. Seu coração se tronou solitário e doente até que anos depois foi encontrado morto em seu apartamento em decorrência de um ataque cardíaco.

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 21/05/2025
Alterado em 22/05/2025
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