Nádia Gonçalves
A cada dia cresço, esclareço e me transformo em prismas de puro brilho essenciais à minha alma.
Textos
A Casa De Pedra Do Sol
Helena estava em seu carro e subia uma estrada de terra íngreme e estreita. Pensava que podia ter errado o caminho, mas tudo indicava que era por ali que devia ir. Chegou a se sentir arrependida de ter alugado aquela casa para uma temporada. Estava precisando de um tempo de meditação e reflexão. Não dissera a ninguém para onde estava indo. E se lhe acontecesse alguma coisa e não conseguissem localizá-la? Era um lugar deserto. Talvez fosse uma atitude irresponsável, mas tinha decidido e ia em frente. Estava completamente sozinha. Depois de mais de trinta anos de casamento tinha se divorciado. Não tinha filhos nem tinha mais seus pais. Os irmãos, distantes. Tinha poucos amigos.

Depois de mais algumas curvas ela avistou a casa. Era um lugar deslumbrante. A casa parecia saída de conto de fadas. Feita em pedra do sol, sua cor salmão claro brilhava. Construída no topo da montanha a vista era maravilhosa com um lago de águas claras logo abaixo. Era como se a casa a observasse e esperasse. Desceu do carro e a brisa fria da montanha a fez arrepiar. Helena caminhou até a entrada. Abriu a porta de madeira escura e sóbria. Entrou. A sala era ampla com móveis antigos. A luz do sol fazia tudo ali brilhar apesar da grande janela estar fechada. Era como se a casa fosse toda de cristal e refletisse luz. Chegou ao quarto principal e tudo ali era elegante e de bom gosto.

Helena andou por toda casa e viu que tudo ali era de bom gosto. Móveis antigos, prataria, cristais, todo o serviço de copa era lindo. Estava encantada e não sentia nenhum medo por estar em um lugar tão deserto. Era como se tudo ali fosse muito seguro. Ao voltar à sala observou a lareira e sentiu um ambiente aconchegante. Teve alguns pensamentos que logo afugentou. Foi então que viu uma inscrição no alto da lareira: “Aqui o que foi esquecido se lembra”. Pensou no que significava aquilo. Saiu imediatamente para a varanda e sentou-se em uma cadeira e ficou observando a natureza.

Mais tarde tirou suas coisas do carro. Tomou um banho reconfortante, fez pra si uma refeição rápida e enquanto comia pensou no passado. É como se a frase da lareira tivesse sido escrita para ela. Será que foi esquecido? Tantos anos depois é como se estivesse presente. Tentava se convencer que tudo aconteceu como tinha que ser, mas no fundo da alma era o arrependimento que falava mais alto. Cansada, se dirigiu ao quarto e adormeceu logo que deitou. Teve alguns sonhos agitados e confusos.

Quando acordou a luz do sol invadia o quarto sem cerimônia. O silêncio era absoluto. Espreguiçou demoradamente. Levantou, queria explorar o lugar, ir até o lago, sentir o frescor da água em seus pés. Tomou seu café da manhã sem pressa observando cada detalhe do lugar, apreciando as xícaras de porcelana e os talheres de prata. Helena abriu a porta da sala e saiu. Desceu até o lago. Sentia uma paz que nunca sentira antes. Caminhou com os pés na água, sorria sozinha. De repente ouviu uma voz e o sangue gelou nas veias, conhecia aquela voz que lhe dizia “bom dia”. Virou-se com um misto de medo e curiosidade. Ao olhar aqueles olhos de um azul claro e cristalino não teve dúvidas. Ainda que vivesse mil anos não os esqueceria. O semblante dele estava mudado, mas os olhos e o sorriso permaneciam os mesmos.

—Você veio. Por um momento tive medo que não aceitasse o meu convite.

—De que está falando? Como me encontrou? Eu aluguei esta casa para passar uns dias.

—Eu chamei por você. Durante todos esses anos eu chamei por você em minhas orações, em minha solidão, em meus sonhos, em minha vigília.

—E por onde você andou todos esses anos? Bem mais quarenta anos se passaram. Nunca mais te vi.

—Você nunca me deu a oportunidade de me explicar, pedir perdão, de te mostrar que eu não era um pervertido. Você fugiu naquele dia como se eu fosse um monstro, como se quisesse te fazer mal. Eu jamais te faria algum mal, eu te amei como nenhum outro homem amou uma mulher. Meu erro foi querer tanto você, te desejar tanto.

—Eu só tinha dezessete anos. Naquele tempo uma garota como eu não era pra ser desrespeitada. Você tentou me violentar. Eu era uma mocinha, uma garota pura e inocente.

—Não diga isso. Nunca tentei te violentar, eu queria te amar. Queria ter seu corpo e alma, queria me casar com você. Mas enfim, talvez eu tenham metidos pés pelas mãos ou talvez não era ainda a hora de nossas almas gêmeas se encontrarem e brindarem a união. Alguma vez você se lembrou de mim?

—Muitas vezes, mas não conseguia perdoar. Depois você se perdeu e nunca mais te vi.

—Fui pra longe. Mas sempre soube de sua vida. Quando se casou, o que viveu e quando se divorciou.

—E você? Casou-se. Como está a sua vida?

—Casei, mas me divorciei depois de algum tempo e vivi solitário, com minhas lembranças, dores e o amor que nunca deixei de sentir por você.

—Não disse ainda como me encontrou aqui.

—Você saberá.

Eles caminharam pelos arredores e conversaram. Contaram tudo um pro outro. Por fim ela entrou e ele se foi e ela nem sabia pra onde. Estava com a alma leve. Embora tenha se casado o grande amor de sua vida era ele: Márcio. No dia seguinte se encontraram novamente na beira do lago. Sentaram e conversaram por longas horas. Era como se o tempo não existisse ou parasse. Jamais poderia supor que um dia o reencontraria. Estava feliz e quando se olhavam era como se uma ternura imensa os envolvesse. Tocavam-se com delicadeza e carinho. À noite ela teve sonhos agradáveis e quando levantou no dia seguinte só queria reencontrar seu amor. Ao sair percebeu sobre a porta a frase: “O que foi escrito não se apaga jamais.” Encontraram-se e ele a convidou para um passeio.

—Quero te fazer uma pergunta. Hoje que somos adultos você não quer mais o que queria tanto naquela época? Pensei em te convidar pra entrar, mas não tive coragem.

—Tudo tem seu tempo. Temos todo o tempo do mundo, onde quer que estejamos. É chegada a hora. Passamos tantos anos, séculos sem poder viver nosso amor. Agora é a hora de estarmos juntos por toda a eternidade. — Ela riu

—Você continua romântico como sempre. — ele riu sem nada dizer.

Caminharam e passaram por um portão e então ela se viu em um grande campo coberto de flores. Havia muitas espécies de flores de todas as cores. Ela de encantou. Sempre as amou  e se lembrou que ele sempre lhe mandava flores. Ela correu e sorria como se fosse uma menina. Passaram por um banco de pedra branco. Ela se sentou e disse a ele que estava se sentindo como uma criança e tão feliz como nunca fora. Ele sorriu, estendeu a mão e continuaram caminhando. Bem à frente chegaram a um lugar onde havia uma árvore frondosa e sob ela flores amarelas e azuis. Ele parou diante de uma cruz e um lugar que parecia uma sepultura. Ela olhou e leu: “Márcio Duarte Andrade — 12/04/1951-20/01/2025 — Caminhos cruzados e jamais esquecidos, voltam para um lugar onde o amor é a lei e os amados são a razão de toda perfeição."  Pouco mais  de três meses se passaram até aquele dia. Ela olhou pra ele incrédula e caiu desmaiada.

Enquanto isso a funcionária  de Helena chegava e a  encontrava morta em sua própria cama…
Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 30/05/2025
Alterado em 02/06/2025
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