Nádia Gonçalves
A cada dia cresço, esclareço e me transformo em prismas de puro brilho essenciais à minha alma.
Textos
Nem Tudo É O Que Parece
Ela entrou naquele Café. Era a própria imagem da elegância em seu vestido preto, saltos altos, cabelos alinhados, maquiagem leve. Ocupou uma mesa e pediu um chocolate quente. Era uma mulher bem sucedida profissionalmente, mas sempre teve um dedinho podre quando a questão era homens. Não sabe se gostava ou se atraía os cafajestes, os que abusavam emocionalmente, os malandros.

Ao olhar viu no balcão um cara que era a própria imagem da derrota e desleixo. Gravata frouxa, paletó e camisa amassados, cabelos em desalinho, barba por fazer. Ele olhou pra ela. Ela desviou o olhar. Mas aquele lado dela falou mais alto e voltou a olhar. Era um lindo homem, parecia bem cafajeste e ela se sentiu atraída. Olhava como quem pede socorro.  Viu a carência estampada em seus olhos. Concentrou-se em seu chocolate com bolo de nozes e não olhou mais. Ele insistiu e chegou até ela.

—Posso te fazer companhia?

—Não preciso de companhia. — tentando resistir à atração que estava sentindo

—Mas não vai se recusar  conversar um pouco comigo, não é?

—Por que não recusaria?

—Digamos que estou precisando de companhia. Estou um pouco mal.

—Não estou a fim de aguentar dor de cotovelo ou curar bebedeira de ninguém.

—E quem disse que estou com dor de cotovelo ou bêbado?

—Olha aqui, cara, não te conheço e não sou psicanalista pra ficar ouvindo seus problemas. — ele insistindo sentou-se, ela não resistiu.

—Deixa eu me apresentar, meu nome é Álvaro. —ela estendeu a mão

—Lídia.

Engataram uma conversa. Ele falou de suas insatisfações, do seu baixo astral que nenhum profissional conseguia resolver. Ela se sentiu apaixonada com tanta carência e necessidade de colo. Sabia que poderia estar entrando em outra roubada, mas estava  entregue àquele homem. Confiou sem nada saber dele. Era assim, sem estribeiras.

Encontraram outras vezes e em pouco tempo já se diziam apaixonados. Lídia acreditava em tudo que ele dizia. Achava que era o homem de sua vida. Álvaro mandava flores com cartões encantadores, declarava seu amor e se dizia feliz. A tristeza e baixo astral desapareceram  de seu semblante.  Demonstrava que ela era importante. Tinham uma química perfeita e um encontro de corpos e almas delirante.

Ele a convidou para uma viagem e ela aceitou sem pestanejar. Todos diziam que tinha perdido o juízo. Nunca procurou saber nada. Apenas o que ele contava. Que não era muito Ela foi sem medo e fizeram uma linda viagem. Noites de amor, dias deslumbrantes. Ele dizia que nunca foi tão feliz e ela sentia-se a mulher mais amada do universo.

Voltaram. Dias depois Álvaro disse que precisavam ter uma conversa séria. Marcou de ir na casa dela. Uma luz vermelha se acendeu em Lídia. Sofria por antecedência. Estava tão apaixonada que pensava que se ele rompesse com ela, morreria. A noite chegou. Álvaro chegou. Carinhoso e tranquilo. Lídia estava à flor da pele. Olhava pra ele como quem implorava  que falasse logo. Por fim não resistiu:

—O que quer conversar de tão sério comigo? Fale logo.

—Acho que o que tenho pra dizer vai ser bom pra nós dois. Sei que você é uma executiva competente e dedicada. Sei também que trabalha demais e que é explorada.

—Como sabe tudo isso? Quem disse que sou explorada? Você andou me investigando?

—Ora, Lídia, imagino que você também saiba tudo sobre mim. No mundo dos negócios todos sabem de todos. Imagino que você não tenha se envolvido comigo sem saber quem eu sou.  Você é muito inteligente e esperta pra agir de maneira diferente.

—Não tenho negócios com você. Tenho um envolvimento amoroso. Na vida profissional sou inteligente e esperta sim, mas na vida pessoal, sou um desastre. Jamais iria investigar sua vida. Preferi acreditar no que me diz. E muitos me alertaram. Agora por favor, abra o jogo. Coloque as cartas na mesa.

—Bem, eu quero pedir que venha trabalhar comigo. Unir forças ao meu lado e me ajudar a administrar minha empresa. Anda pesado demais pra mim, preciso de ajuda de alguém como você.

—Eu não acredito que você se aproximou de mim com essa intenção. Como você joga bem. Cheguei a acreditar que estava apaixonado por mim, que tinha encontrado um homem de verdade, um homem que sabia amar. — “espera aí…” ele tentou falar

—Eu estou falando. Não me interrompa. Você sabe quanto eu ganho entre, salários, vantagens? Está disposto a cobrir meus ganhos? Aliás, você quer me comprar como? Com o que tem entre as pernas, saiba que não me vendo por isso.  Ou tem dinheiro o suficiente pra pagar meu preço? Como eu fui burra. Mais uma vez. Estou chocada.

—Ora, Lídia, não é nada disso. Acredite você ou não, quando te conheci nem sabia o que fazia ou onde trabalhava. Não me aproximei de você com segundas intenções e nem pensava em te fazer a proposta que estou fazendo hoje. Eu me apaixonei por você de verdade. Sei que a empresa que você trabalha nem é tão grande e não paga tanto em salários e vantagens. Eu sou dono de uma indústria química de porte médio para grande e muito sólida. Nunca foi o que quis na vida. Sempre me senti insatisfeito. Ao te conhecer minha vida mudou. Só por isso quero você ao meu lado não só na vida pessoal como profissional. Acho que você pode fazer com que administrar a empresa seja menos pesado. E já está me fazendo muito feliz. Podemos ter mais tempo pra nós. Quero te oferecer um emprego e,  quem sabe mais tarde, sociedade na minha empresa. Se quisesse só te fazer uma proposta de trabalho não precisaria me envolver com você. Seria mais prático ir direto ao assunto. Você é muito inteligente para não perceber isso. Não acha que está superestimando seu lado profissional e subestimando o pessoal? Para que não paire nenhuma dúvida, minha empresa pode pagar seu salário e vantagens. Não preciso pagar com o que tenho entre as pernas e não misturo as coisas. As bases a gente discute e chega num acordo. Sei que você pode fazer muito, trazer novas idéias e sangue novo. E quero você na minha vida. Desde que não seja primordial se casar. Não acredito em casamento. — ela se calou por um tempo

—Não estou acreditando. Vejo que estamos juntos há seis meses e não sei nada de você. Como fui descuidada e ingênua. Preciso ficar sozinha e digerir tudo o que me disse.

—Você sabe que se quiser, num estalar de dedos pode saber tudo sobre mim e minha empresa. Aqui está o que você precisa pra isto. — colocou a pasta sobre a mesa e saiu.

Profundamente magoada ela tinha a certeza que ele se aproximou dela deliberadamente. Chorou, se descabelou e sofreu com a decepção. No dia seguinte estava nova. Procurou saber tudo sobre Álvaro. Dias depois ela já tinha uma ficha completa do homem e do empresário. Por muitos dias não atendeu suas ligações e nem o recebeu em sua casa. Estava tentando ter segurança para qualquer decisão que viesse a tomar. Duas semanas depois foi ao escritório de Álvaro sem aviso e sem hora marcada. Apresentou-se e pediu pra falar com ele. Acabou sendo recebida.

—Quero que me convença que não se aproximou de mim com segundas intenções.

—Não tenho como fazer isso. Só tenho a dizer que foi você que entrou no Café onde eu estava e não era frequentadora assídua. Nem eu tampouco. Como poderia adivinhar que você iria lá justo naquele dia?

—Quero com todas as minhas forças acreditar nisso. Vim para que a gente se entenda. Agora conheço tudo sobre você e sua empresa. Quero trabalhar com você, ser sua sócia, na empresa e na vida. Na empresa, dependendo das condições. Na vida já estou completamente envolvida. Casamento não tem a mínima importância. Posso até me arrepender, mas vou mergulhar de cabeça.

E assim foi…

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 10/06/2025
Alterado em 10/06/2025
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