Nas Asas Do Tiê
Tereza acordou desolada. Teve uma noite péssima. No pouco que conseguiu dormir teve pesadelos. O que queria era nem sair da cama, mas os alunos a esperavam na escola. Tinha que reunir suas forças para seguir sua vida. Parecia que aquele luto nunca acabaria. Detestava sentir pena de si, mas não estava conseguindo reagir. Desde que seu marido faleceu num estúpido acidente, há quase dois anos, o que ela mais fazia era chorar e lamentar. Perdeu a alegria de viver e a motivação de se levantar a cada dia.
Tereza e Marco se mudaram para aquela comunidade bem próxima a um trecho da Mata Atlântica há quase quinze anos, pouco depois se formarem e casarem. Ele era botânico e trabalhava no Parque Estadual na área de pesquisas. Ela era bióloga, professora e guia de turismo. Juntos estudavam as plantas medicinais do lugar, faziam elixires e davam cursos sobre o assunto. Até que um acidente no próprio parque tirou a vida de Marco.
Levantou-se e foi dar suas aulas. Deixara de ser guia turístico. Só pensava em ficar em casa, chorar e lastimar. Quando chegou em casa e encontrou uma vizinha que levou um prato de comida. A comunidade era unida e solidária e gostavam muito do casal. Todos tentavam ajudá-la de alguma forma. Só ela não se ajudava. Estava sem fome, mas comeu um pouco. Absorta, pensando na vida olhou e se deparou com um lindo Tiê Sangue pousado em sua janela. Não era comum isto acontecer.
O pássaro que parecia olhar atentamente nos seus olhos e ensaiou um canto que parecia triste e não o lindo canto a que estava acostumada. Parecia querer lhe dizer alguma coisa e lhe veio à mente as lendas que contavam. Diziam que ele simboliza a dualidade entre dor e alegria, perda e renovação sendo um mensageiro de recomeços. Era portador de bênçãos, de ligação entre corpo e espírito, de boas energias, despertando a coragem de encontrar novos caminhos. Pensou que estava precisando de tudo isto, mas não acreditava que seria capaz de sair da letargia, tristeza e depressão. E ele se foi.
O Tiê voltou outras vezes. Ficava na janela, olhava pra ela. Parecia trazer uma mensagem, mas sua mente, embotada que estava, não conseguia captar. Ele cantava e às vezes voava ao seu redor. Ela começou a gostar visita e sorria quando chegava. Olhavam um pro outro. Um tentando passar a mensagem e a outra sem conseguir entender.
Depois de alguns dias o pássaro a convidou pra voar. Ela, bem pequenina, lá se foi nas asas do Tiê. Ele pousou em uma clareira do parque onde havia um riacho muito cristalino com uma pequena corredeira. Ela sentou e ficou se olhando no espelho d’água. Ele voava ao seu redor e cantava. Parecia eufórico. Ela sentia uma energia boa como se alguém estivesse ali. Acordou assustada e viu que foi um sonho bem real.
Ao amanhecer, Tereza caminhou até a clareira onde esteve em sonho. Chegando foi recebida pelo pássaro. Ele cantava e voava em volta dela. Viu Marco sentado debaixo de uma árvore. Estremeceu, fechou os olhos. Quando abriu não estava mais lá. As águas se mexeram. Ela olhou e o viu. Correu e se ajoelhou.
—Queria tanto de ver uma vez mais. Queria tanto que voltasse pra mim. Posso te tocar? Sinto tanta saudade. Não consigo aceitar que te perdi.
—Tereza, o que vivemos foi lindo. Nosso amor é eterno. Mas chegou a hora da separação. É o destino. Preciso seguir meu caminho. Liberte-me, liberte-se. Você está travando e atrasando minha evolução. Tudo tem seu tempo. Não lamente não estar mais comigo. Seja grata e se alegre pelo tempo que estivemos juntos e por tudo que vivemos. Guarde pra sempre no coração as nossas melhores lembranças e encerre seu luto. Recomece. Reencontre a alegria de viver. Viva novas histórias, novos tempos. É o seu caminho. Estarei com você em todas as coisas pois o que foi vivido não pode ser apagado. Agora há pra você uma nova vida. Não fuja, não se esquive, não morra em vida pois isto só te faz mal e me impede de seguir. — sua imagem se desfez
—Marco, volte. Tenho tanta coisa a dizer, quero te tocar. — deitou no chão e chorou.
Não sabe quanto tempo ficou ali. Quando deu por si o Tiê estava pousado ao seu lado. Ela olhou, estendeu a mão e ele cantou alegremente. Levantou, se refez. Sentiu leveza em seu coração como se toda a dor tivesse sido levada e estivesse cheia de paz e luz. As lembranças já não machucavam e sim traziam alegria e gratidão. Sentiu que o recomeço viria. Saberia viver sem Marco. Saberia ser feliz novamente. Gritou bem alto:
—Adeus, Marco! Um dia a gente se reencontra. Eu te liberto pra seguir seu caminho e me liberto pra seguir o meu. — tomou então o rumo de casa.
Aos poucos foi se recuperando. Sabia que Marco tinha razão e aquele encontro foi fundamental para que ela saísse do luto e seguisse em frente. Trocou a dor e tristeza por saudades e lembranças. Voltou a ser de guia de turismo. O encontro com a pessoas lhe faziam muito bem. Voltou a estudar e coletar plantas medicinais e pretendia também recomeçar os cursos. O Tiê vez ou outra lhe visitava e ao ver que estava bem cantava e fazia acrobacias no ar.
Quase um ano já se passara desde aquele dia. Tereza ouviu batidas na porta. Foi ver quem era. Ao abrir se deparou com um homem forte, charmoso e com um lindo brilho nos olhos. Sentiu algo se mover em si.
—Boa tarde! Tereza? — seu nome soou bonito na voz dele
—Sim. Posso ajudá-lo?
—Sou Arthur. Sou biólogo estou chegando para trabalhar no Parque. Disseram que esta casa ao lado está disponível pra aluguel e que é pra tratar com você. Pode me mostrar?
—Sim. O dono deixou comigo. Claro, podemos ir agora. A casa é pequena. Boa para uma pessoa sozinha ou um casal. Vamos? — foram andando e conversando
—Sou solteiro e sozinho. Com certeza será ótima pra mim. — sorriu e ela se encantou
—Sou bióloga também. Meu marido era era botânico. Trabalhava no Parque. Nós dois pesquisávamos plantas medicinais e dávamos curso sobre o tema. Eu amo este lugar. — ele olhava atentamente pra ela que se calou e disse — Desculpa, estou falando sem parar. Não costumo ser assim.
—Por que fala de seu marido no passado? — ela baixou a cabeça
—Ele faleceu há três anos. Um acidente no Parque. Sofreu uma queda e não resistiu.
—Sinto muito. Você é tão jovem. Vai continuar morando aqui?
—Pretendo continuar as pesquisas e o curso.
—Que ótimo! Bom que está seguindo sua vida. Se quiser posso lhe ajudar nas pesquisas. Iria gostar muito. Vou ficar com a casa. Vai ser muito bom sermos vizinhos.
Ela sorriu e o olhar dele foi desconcertante. Ela desviou o olhar. Entraram em sua casa e ela viu o Tiê na janela. Parecia eufórico e cantou. Olhava como se quisesse passar uma mensagem. Arthur se encantou com a beleza do pássaro, parecia hipnotizado. Ela falou sobre o Tiê e conversaram sobre o aluguel. Ele se despediu. Ela sorriu para seu amigo que voou dançando e cantando. Dançou com ele entendendo a mensagem e intuindo que ali começava sua nova história, sua nova vida…
Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 04/09/2025
Alterado em 04/09/2025